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domingo, 16 de fevereiro de 2020

SUSTENTO DA ALMA - UNIDADES DE PSICOLOGIA CLÍNICA: MERITOCRACIA INSTITUCIONAL



UNIDADES DE PSICOLOGIA CLÍNICA 


E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS: 

MERITOCRACIA INSTITUCIONAL

Paulo Passos
Psicólogo Clínico

2020, Braga / Portugal


ACES – Agrupamentos de Centros de Saúde
CSP – Cuidados de Saúde Primários
CTSS – Carreira Técnica Superior de Saúde
NPC – Núcleos de Psicologia Clínica
SNS – Serviço Nacional de Saúde
           
Texto materializado em prol da Psicologia Institucional, no âmbito dos Cuidados de Saúde Primários, na contrariedade à tendência da manutenção de práticas incautas e de oportunismo narcísico-galhista, num império onde as opiniões enraizadas no mediocrismo se fazem ouvir e prevalecer.
Texto, igualmente surgido, face à necessidade de combate aos idiossincráticos e incoerentes pressupostos, provenientes da domesticidade caracterizadora da operatividade tão em voga e tão conveniente a pensamentos, desajustadamente, desactualizáveis e em vassalagem à superficialidade e caseirismo, numa pálida e infrutífera composição organizativa e funcional.
O presente artigo é também fruto da justa e necessária repreensão aos pensamentos que se impõem, nas coisas de heranças sentidas (impune e impuramente), em postulados de historiografias (ou curricula) narradas e jamais vividas, deteriorando a objectividade da coisa. Esta (coisa), factualizada ferramenta de utilidade e conveniência (colectiva), num contributo à sã, ecológica e psicológica evolução (enquanto cenário de determinismos copuladores de facilitação de gestações/gerações futuras, com segura garantia genética e, sobretudo, de carácter, no quadro dos reflexos institucionais).
Entre Ética ((psico)ética!?!), Deontologia, Epistemologia (da Psicologia e demais…), Legislação, Justo Direito… e afins conceptualizações onde a Lógica e o Bom-Senso devem imperar, navegam as intenções desta narrativa, canalizadas na denúncia, divulgação e extermínio das cruéis e luciferianas forças que cooperam com (em constante reprodução e conforme adesão acefalocrata) as almas discursadoras de insuficiência e incompletude (invariavelmente dependentes das abandónicas, paralisantes e inconsistentes relações entre as pertenças e as referências ou entre as aspirações e as competências), lanhando e sangrando o prestígio e o mérito do colectivo institucional.
Estão, assim inclusos neste texto, genuínos, claros e evidentes esforços dos benefícios da substituição dos existentes (e perdidamente avulso) NPC nos ACES (Centros de Saúde agrupados) por Unidades Funcionais de Psicologia Clínica (autonomamente como qualquer outra Unidade Funcional nos ACES), e numa roupagem (proposta) que habita a justiça e a coerência operativas e organizativas, comparativamente com os demais (organizados autonomicamente) serviços (em sentido lato) de Psicologia de outras Instituições do SNS, que não os ACES.
Criados legislativamente (despacho nº 11347/2017, DR nº 247/2017, série II de 27/12/2017), os NPC dos ACES, comparativamente com os Serviços/Unidades de Psicologia Clínica das demais instituições do SNS, operam num injusto deficit de autonomia (da ordem dos 50%), considerando o estipulado no ponto 4, do artº 2 do Decreto-Lei 241/94 de 22/Setembro.
Verifica-se que, no concernente às funções de coordenação (Gestão; Técnica; Científica; Formativa) estipuladas no diploma acima mencionado, aos NPC não estão acessíveis metade das competências em autonomia de coordenação (a saber: Gestão; Formação), causando um diferencial de 50% de deficit de competências e de autonomia, comparativamente com outros organismos do SNS.
De salientar, relativamente ao deficit de competências e decisões dos NPC, as valências inclusas na Gestão: Avaliação de desempenho de psicólogos; Horários; Férias; Afectação de psicólogos em equipas/projectos; Assiduidade; Ausências…, e na da Formação sublinha-se: Selecção e aprovação de psicólogos em actos formativos.
Crê-se que a força da lei, em justiça, não possa prever tamanha discriminação existente entre trabalhadores da mesma profissão, da mesma carreira contributiva (CTSS), do mesmo ramo profissional (Psicologia Clínica), do mesmo Ministério (Saúde), cujas funções são tão indiferenciadas intra-profissão.
Por tal, alvitra-se considerar a interpretação (doméstica, arbitrária e conveniente) como causa de tal discriminação, assim como uma conjugação de diplomas que colidem em determinados princípios regulamentadores, promovendo as opiniões/interpretações, que não deveriam coexistir com contextos de natureza da Administração Pública.
A inexistência de cumprimento do ratio de psicólogos nos ACES, comparativa e contrariamente à existência de cumprimento do ratio de médicos de família (conhecendo-se, assim, a razão aritmética em rigor e lacunas inerentes), contribui para a impossibilidade de se conhecer o preciso número de psicólogos em falta nos ACES, e mantem a aleatória organização, prisioneira das cruéis opiniões (ausência de apriorismo) de estranhos à profissão.
Com o exacto e claro apuramento da quantificação de psicólogos em falta nos CSP/ACES, ganhar-se-ia o código postal para a criação de Unidades Funcionais de Psicologia Clínica, em detrimento dos actuais e enfermos (de autonomia) NPC, ingloriamente abafados e em discriminação face à autonomia da Psicologia nos Hospitais e Unidades Locais de Saúde, protegida legislativamente.
Enquanto os desígnios da Psicologia (nos ACES) se mantiverem incrustados nas benfeitorias do mediocrismo, nas incompletudes, na desigualdade (para com semelhantes de outros organismos do SNS) e na desordem do caseirismo arbitrário… o mérito institucional bandeirar-se-á pela insuficiência e insatisfação, num descolorido que faz perigar a qualidade da disponibilidade laboral, que aos psicólogos… a Psicologia deveria poder confiar.

https://psiacesbraga.blogspot.com/?fbclid=IwAR1YkiKYoPDhWb6cwARk6mUq75xPxWG7pNEvsD060DBXrlDrw-959C4DKQA

Mosteiro de Tibães, Braga, Portugal, em 17/2/2020 

Edição: Paulo Passos




quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

SUSTENTO DA ALMA - DESMATEMATICANDO O CAPITALISMO



DESMATEMATICANDO O CAPITALISMO
(Janiel Martins, RN/ Brasil)

Até quando suportamos a miséria?
Um ano? Mais um ano?

Até quando vamos acreditar que o novo existe?
Olhemos para um espelho.

Acreditamos sermos santos.
E esquecemos que viemos de um foda alheia.

Até quando suportaremos esta moda de santidade?

Os animais fodem e os seres humanos humilham-se.

Quando vamos deixar de ser encurralados?
Quando seremos habitantes de um planeta comum?

Vamos parar de desejar em sermos ricos...
... cagando e mijando... naturalmente...!


Edição: Paulo Passos 













domingo, 22 de dezembro de 2019

SUSTENTO DA ALMA - INCLINADOS



INCLINADOS
(Janiel Martins, RN/Brasil)

Como desinclinar a humanidade?
Humanidade encurralada em países, quando estes não são países, mas mais parecidos com currais cheios de orgulho...! Falso orgulho, injectado logo antes da nascença de cada criatura.
O capitalismo (só?) é feito de desigualdades.
É um câncer social e antropológico.
Há desempregados, super empregados e pequenos empregados que vivem à mercê do capitão-mor.
Tanta diferença! Para quê?
Para uma monumental maioria ser servida.
Para exercitar o capricho da fétida corrupção dos servidos. 
Os alimentos, dos da boca ao do lazer passando pelos do sexo, que sejam em equidade.

Que seja olhado, visto, observado, em atento, o que vai para além e aquém de cada curral.
Defender um curral é trair a humanidade duas vezes.
A guerra existe e continua no modo do subalterno, para sustentar soberanos e poderosos, em nome da pobreza dos curraleses. 

Guerreie-se, sem tréguas e sem logros, por igualdade. 
Pois...
A distância é como a morte, um dia alcança-se... e que seja feita a questão: " foi tu quem chegou, ou fui eu que cheguei em tu?"

Edição: Paulo Passos 




terça-feira, 14 de maio de 2019

SUSTENTO DA ALMA - ENSAIO SOBRE O PRIMÁRIO


Publicado no Portal dos Psicólogos, em 25/2/2019: http://www.psicologia.pt/artigos/ver_cronica.php?ensaio-sobre-o-primario&codigo=CR0027

ENSAIO SOBRE O PRIMÁRIO
Por Paulo Passos
"Relaxados e sem réstia de pudor, estavam estatelados nos bancos do carro puxados para trás, enquanto pensavam num hotel para dormirem.
Entretanto já Horácio tinha adormecido e roncava com pujança.
Levou uma cotovelada da mulher, a Rosalina.
Parou o ronco durante alguns segundos.
Já não levou outra.
Rosalina estava já com a boca toda aberta e seca, na produção de uma escavacada sinfonia de roncos e assobios.
Acordaram com a luz do sol madrugador incidindo nos olhos.
Rosalina tinha o chapéu todo escambado para o ombro e cuspia algumas penugens das plumas roxas que lhe tinham entrado para a boca, ajudando a limpeza com os curtos e grossos dedos das mãos que metia, literalmente, dentro da boca.
Horácio estava bem-disposto pelo sono que o recuperou, mas ansioso para chegar ao seu destino.
Era lá que tinha as suas descontrações.
Já só sentia fome.
Antes de se porem em marcha tiveram que abrir as portas e as janelas do carro durante um bocado.
Foi o tempo de se aliviarem.
Rosalina, agachada ao lado da porta aberta do carro, verbalizava o alívio através de suspiros, enquanto o jato quente fumegava ruidoso contra o empedrado da rua, acompanhado pelo gasoso recital que saía por trás.
Horácio já se sacudia, ajudando na orquestra.
Espreguiçaram-se.
Ouviu-se o motor do carro.
Tinham cerca de 700 quilómetros de estrada.
Não tinham ficado para jantar no dia do casamento de Olívia, única filha que tiveram."

Edição: Janiel Martins 



terça-feira, 23 de abril de 2019

SUSTENTO DA ALMA - TROCAR O PÉ POR UM PÉ DE BOI


 Da riqueza de simbolismos expressa na crónica,
de salientar um esclarecimento, dado pelo autor, referente ao título:

"(...) há fome no mundo e, Eleutéria, de seu genuíno direito,
precisava de favorecer o seu intento, trocando o
pé(nis) disfuncional de Aristides Galante que,
com ou sem culpa, já não aguentava mais traição."




TROCAR UM PÉ POR UM PÉ DE BOI
Paulo Passos

Publicado em: www.psicologia.pt (21 de Abril de 2019)



"Eleutéria era, também de corpo, um mau feitio.
Tinha uma linha que a seguia de cima a baixo, sem necessidade de cumprir quaisquer curvas, mas quando a medida era tirada de perfil, a linha contornante do seu corpo já exibia grandes lombas para a diante.
Tudo isto, adicionado ao seu tamanho, que não ia além de um metro e pouco, construía um panorama que implicava comentários com ou sem graça, consoante os gostos e as intencionais aventuras.
Agravava tudo com o carnaval que punha em cima de si.
Estava com um fato de banho de perna, amarelo e azul-claro às riscas horizontais.
Vários colares garridos saíam-lhe pelo pescoço, a contornarem o seu grande e sustentado par de mamas, terminando suspensos e a abanar por toda ela, que rivalizava com uma montra de bugiganga barata, com o produto todo amontoado. 
Usava uma touca na cabeça, de borracha amarela com flores cor-de-rosa, que abanavam com os movimentos, por serem fixas apenas ao meio.
Na areia ou na água, nunca aquela touca saía.
Quando ia ao mar, a água não lhe subia mais que meia perna.
Tinha medo e as ondas faziam-lhe cócegas provocantes.
Molhava-se, apenas no rescaldo da onda, baixando-se e salpicando o corpo com uma mão, enquanto se apoiava na neta Glória Micaela (indiscutivelmente chamada de Glórinha, tanto pela fragilidade do corpo, como pelo cariz nervoso e trémulo com que a criatura se apresentava), para se manter equilibrada.
As alças do fato de banho, muito vincadas nos ombros, pela cedência da camada gorda que lhe forrava o corpo, contrastavam com o vermelho vivo, já em ferida, da pele queimada do sol. 
Independentemente da temperatura da água e das condições do mar, os gritos e gargalhadas eram intermináveis, durante todo o tempo que lá estivesse.

A pequena Glórinha estava forrada com um creme branco, colocado em pasta, para a proteger das radiações solares. Na cara só se viam os olhos.
Usava, tal como a avó, uma touca de borracha na cabeça para não molhar o cabelo. A touca de Glórinha era toda cor-de-laranja, mas com relevos que desenhavam formas de peixes. Condizia com o fato de banho onde a pequena estava enfiada, que também era cor-de-laranja, com uns favos salientes em branco, que a faziam parecer insuflada, em sobreposição à sua frágil estrutura.
Não saía da zona de sombra do guarda-sol de praia, por imposição da avó. Podia sair dali quando a avó ia à água e a levava para nela se apoiar.
Quando regressavam ao guarda-sol, invariavelmente era feita uma visita à imponente caixa térmica.
Eleutéria nunca a voltava a fechar sem estar já a mastigar alguma coisa.
Glória Micaela, alternativa única de nome e estipulado pela junção do nome (Glória) da tia-madrinha materna, e da filha desta (Micaela), prima quatro anos mais velha, era uma criança diminuta, em questões de apetite.
Nunca um vendedor de bolos, bebidas ou gelados, que circulavam pela praia, por ali passava sem que Eleutéria o mandasse parar.
Escolhia sempre alguma coisa.
Aos refrigerantes, não dava tempo de o vendedor fazer o troco do dinheiro, na bolsa que trazia na cintura, para onde tinha que olhar.
Quando olhava para ela já a garrafa estava vazia e ela com o braço esticado a pedir outro, enquanto enterrava o fundo da garrafa vazia na areia.
Avistou um vendedor de gelados.
O rapaz ouve o chamamento de Eleutéria e freou-se, qualificando o seu produto.
Não era preciso tanto trabalho pois era certo que Eleutéria ia comprar um gelado para Glórinha e outro para si.
Escolheram e, enquanto Eleutéria devorava o dela, a neta lambia, pasmada e lentamente, o seu.
Um calor sem tréguas e, pouco tempo depois, já Glórinha era um vale de gelado derretido.
No pouco chocolate que ainda se prendia ao pau, pousou e colou-se uma descomunal mosca vareja esverdeada.
A pequena, sem se aperceber, continuava a lamber de um lado, e a mosca satisfazia-se do outro.
Eleutéria vê aquele preparo, sai disparada para junto da neta, dá uma sacudidela para afastar a mosca, mas vai tudo. Vai mosca, vai gelado e vai Glórinha, que pega num berreiro, aumentando a javardice em que toda ela já estava.
Estava melada até à alma.
Era gelado derretido, era ranho, era creme solar, era areia, eram lágrimas, era baba, era a avó a reclamar, enquanto agarrava em toda aquela tralha para se irem embora.
Tinha-se acabado a tarde de praia.
Em direcção à estrada, ia e resmungava Eleutéria, atulhada de sacos, guarda-sol, caixa térmica, e um grande saco com tudo o que era brinquedo de praia da neta.
Eleutéria ainda não tinha tirado a touca da cabeça e era seguida por Glórinha, que ainda não tinha parado de chorar.
Atravessaram a estrada e Eleutéria estatelou toda a tralha no chão, despejando-se numa cadeira da mesa onde o marido estava sentado de esplanada.
A mesa já estava atulhada de canecas vazias e de pratos com cascas de marisco que Aristides Galante tinha comido.
Eleutéria chamou o empregado, pediu uma garrafa de vinho branco fresca, camarões e um gelado para a neta.
Aristides Galante pediu mais uma caneca de cerveja.
Não tinham nada para dizer.

Aristides Galante era um poço desmedido de subalternidade para com a mulher.
Nunca foi considerado em nada, exceptuando-se a consideração elevadíssima com que era contemplado, pela garantia do dinheiro que injectava na família e sustentava os cartões dourados de Eleutéria.
Dentro de casa, Aristides Galante, não era tido nem achado.
Vendo-os na rua, ele era um penedo que seguia, sempre dois ou três passos atrás, a gaiteira e determinada mulher.
Homem rude, estatura média, abdómen bem saliente, tinha conseguido fortuna à custa do seu trabalho, digno de se dizer! Mas também às custas de algumas estratégias menos transparentes e de malabarismos que escondiam meandros que Aristides Galante tão bem conhecia.
Trabalhava na construção civil desde os seus onze anos de idade, altura em que saiu da escola com a terceira classe.
Burgesso era a sua natural evidência e lucro era o seu maior objectivo - pilares da sua existência.
Fora de casa e, sobretudo no trabalho, não tinha pejo à exploração de outros e dos próprios funcionários da empresa. Nestes, no que dizia respeito ao pagamento que lhes eram devidos, arranjava sempre forma de cortar no número de horas trabalhadas.
Já dava para mais uma mariscada bem regada, que tanto apreciava.
Nunca passava muito tempo sem que a maior travessa, na marisqueira que mais apreciasse, não estivesse transbordando à sua frente, juntamente com fartas canecas de cerveja, onde as comezainas entravam bem pelo tempo adentro.
Já recostado, arrotava Aristides Galante, enquanto tirava bocados de marisco dos dentes, com uma unha de lagosta.
O suor que lhe escorria pelo rosto era afastado com as costas da mão, ainda com a pinça de um lavagante presa pelos dedos.
No rebordo da mais recente caneca de cerveja iam-se já acumulando lascas de marisco.
Glórinha adormecera na cadeira sem ter acabado de lamber o segundo gelado.
Sem assunto, Aristides Galante e Eleutéria terminavam a manja, para sustento do peso dos feitios, feitos corpos.

Aristides Galante tentava levantar-se, mas a manobra foi dificultada pelo excessivo carregamento de peso sobre as, já meio falidas, articulações das pernas e pelos desequilíbrios adjacentes.
Eleutéria, com as mesmas privações de habilidades, proclamava que ainda havia de chegar o dia em que mandaria trocar o pé, de Aristides Galante, por um pujante pé de boi."

Edição e escultura: Janiel Martins











domingo, 24 de fevereiro de 2019

SUSTENTO DA ALMA - MEIA HORA COM ÁLAMO OLIVEIRA


"(...) o o
fício
mai
s velh
o do mun
do pode
rá não se
r o menti
r, mas qua
se (...)"


José Henrique ÁLAMO OLIVEIRA
Raminho
 Angra do Heroísmo
Terceira
Açores
Portugal


Retrato palavreado, de Álamo Oliveira (o José Henrique),
de um povo...
... mestre em sofrimento e incerteza, 
... douto em resignação, 
... perito em desconfiança,  
... cátedro em mansidão,
... e ... santificadamente saloio ...!

Povo condenado à insatisfação, ao desprazer e ao engano.
Povo submisso, cabisbaixo ... às fartas tetas da corrupção.
Povo obscuro molestado no útero da ordem inquisidora de um cão rançoso,
de um cão esganado, de alma amordaçada.
Povo dependente, dependente do logro das fétidas relações umbilicais.
Pátria do pessimismo ancorada no orgulho de feitos de grandiosidade inventada.
Povo de mães idealizadas e para-beatificadas.
Mães doridas ... que fazem doer.
Mãe/personagem ... (in)conscientemente teatralizada.
Povo pobre, triste ... farsante que sorri o medo ... em cinzento.

ATÉ HOJE
MEMÓRIAS DE CÃO
Memórias de cão diz de duas guerras.

Uma ... a pérfida impostora que, para além de si própria,
ainda gerou uma outra (interna), parasitando e paralisando ATÉ ao HOJE,
as mais alvas e impúdicas intenções de prazer desneurotizante.

Outra, a do tesão macho ... a que não se pode querer.

Contudo, no chafurdo de tal punitivo desânimo, conta ...

(o José Henrique (o tal que dá por Álamo Oliveira))

... conta também esperança.
Esperança com outras raízes, profundamente 
plantada noutras almas,
desprenhes da estéril desalmação.

Conta também esperança ...
... sim a esperança imposta pela olímpica força da pulsão do tesão,
de Eros (que erota), 
da luxúria (clara ou repticiamente) determinante e libertadora.
Conta... conta sobre o tesão aspirado e tesão materializado.

Até hoje as memórias são de cão
ATÉ HOJE. MEMÓRIAS DE CÃO,
por Álamo Oliveira,
é também narrativa, para deleite poético.
Narrativa de amor.
Poema narrado de uma guerra alheia.
Mas também de uma guerra sentida nas masculinidades.
De um amor macho tatuado nos tesões, 
sublimado pela ordem da castração,
mas livre e libertado pelo direito imposto.
Não morto.


Excertos 

Em...
ATÉ HOJE. MEMÓRIA DE CÃO
Por...
Álamo Oliveira


"(...) Permaneceram assim emoldurados de esquecimento,
pela tarde fora, pela noite dentro (...)"

"(...) a forma de andar com a camisola solta sobre os calções,
o estilo displicente de usar o quique na cabeça (...)
ousando por vezes tocar-lhe o corpo (...)" 

"(...) achavam-no bonito (...)"


"(...) menino pródigo da solidão.(...) e galopava, depois,
com força desenfreada como se tivesse engolido
uma grande liberdade (...)"


"(...) Freguesia de pescadores e nabiças que sabem
falar com o sotaque das ondas e dos peixes (...)"


"(...) Limpo e de remendos no cu, nos joelhos - fatalidade dos pobres 
envergonhados de serem pobres e não andarem de pé (...)"

"(...) Foi criado a pão duro. 
À solta, como os companheiros, os canários.
Preso ao trabalho por crime de pobreza e necessidade (...)"

"(...) na raridade da sua instrução posta em confronto 
com o maremoto do analfabetismo reinante (...)"


"(...) João procura ignorar essa multidão que grita uivante
a tragédia de ser povo e português.
É um coro de uivos e desmaios (...)"

"(...) Viera como cavalo manso atrelado à carroça da pátria -
esse fetiche desmantelado que há muito lhe devorava os intestinos
para vomitar de seguida o asco, a pobreza, enchendo o saco da 
sua história de lixo triste e podre (...)"

"(...) O cais de Alcântara sucumbira sob a inundação 
das lágrimas ensopadas a lenço, 
por entre carteirinhas de cigarros Paris 
que as senhoras MNF distribuíram 
maquilhadas de compaixão patriótica (...)"

"(...) Debruçado na amurada, vomitou.
Vomitou a pátria como se diabo fosse, (...)"


"(...) Como bom português suave, (...)"

"(...) Cinto nas calças.
Uso obrigatório.
Não deixar cair a castidade aos pés.
Apertar o conto não era slogan de parede.
Era dever patriótico (...)"


"(...) que os jornais desse tempo só sofriam do malzinho da censura para bom sossego
dos directores e cidadãos obedecia-se ao senhor governador como se obedecia
a Deus: com devoção e medo (...)"

"(...) Salazar caíra da sua cadeira de mandar, chocando com o chão da dura Lisboa,
encomando no seu país em coma (...)"

""(...) Andavam em polvorosa as igrejas do país derramando orações,
molhes de cera acesa, vigílias e jejuns, Salazar caído "Levantai-o , Senhor", 
encomenda do cardeal em nota de pastor, que a cumpram os fiéis que
por seus pecados o chefe caiu.
Estava o país perdido se ele morresse, "perdão, Senhor! Mil vezes...",
rebanho tolhido do adro à sacristia não desafiando iras e castigos.
Lá vinha o dia treze, a romagem organizada, bem de longe e a pé,
os caminhos todos a dar a Fátima, a última esperança metida na
cova da Iria. Mas a fé cansou-se de ter mãos postas, joelhos rasgados, 
olhos em êxtase. O milagre não vinha.
E o país continuou com o chefe em coma, em seu berço e suas colónias (...)""


"(...) A cultura tinha então o tamanho e a profundidade duma nota de banco,
protegida pela efígie involuntária de um Camões sonante e mal pago.
Camões era o alto amor de um povo triste, 
relesmente postado numa miséria sem porta (...)"

""(...) Vivia-se em Estado Novo, velho de frustrações e de austeridades patrióticas.
"O silêncio é a força da virtude, a ignorância o progresso dos povos.
A paz só é possível pela força, veja-se a liberdade o que faz por esse mundo fora",
dizia-se.
Por isso, o privilégio de Fátima só se concede a quem o merece.
Era a voz do Estado Novo no zénite do seu poder, 
"cultura havia à farta! façam a quarta-classe e trabalhem,
que o trabalho, meus amigos "dá saúde e faz crescer",
a barriga dos que mandam, 
"ninguém tem um Camões como Portugal"(...)""


"(...) Tinham vindo para a Guiné defender a fé e o império das garras
vermelhas de outros interesses. Depressa viram que não havia fé nem
império a defender (...)"

"(...) já sem luz no abrigo, cumpriram o ritual de darem graças à vida 
de forma que melhor lhes sabia: punhetavam-se uns aos outros como em 
mandamento novo, enchendo o ar cansado de suspiros alegres.
E adormeciam aliviados (...)"


""(...) Prego-te os botões se me escreveres as cartas prá família...", 
contrato apalavrado (...), a sorte de andar  com os botões
na braguilha, graças ao analfabetismo do Serra, símbolo da nação (...)"

"(...) O noticiário terminava dando as últimas sobre o desporto,
a grande bomba cultural das massas lusíadas que até Mao se roía de inveja (...)"


"(...) Acordou do outro lado da noite. 
As cuecas molhadas de solidão também (...)"


"(...) Quando os novos infantes estiverem em Sagres a preparar descobertas de
mundos já descobertos, enforquem-se./ Não realizem os seus planos./
Se não tiverem coragem de abdicar, façam sapatos./
O povo anda descalço (...)"


"(...)Tinham-lhe ensinado a amar a pátria sobre todas as coisas
e a obedecer, com devoção, aos seus legítimos superiores (...)"

"(...) Felizmente estava na quarta-classe, o último ano da via sacra (...)

"(...) Apetecia-lhe esmagar o ovo que a pátria chocara (...)"

"(...) Pátria tão cantada que deu em puta (...)"


ATÉ HOJE
(Paulo Passos)

Tugalidades... portugalites 
Infecção da essência
País seco e molestado 
Povoado ENFERMO
De moções azuis censurantes
De monções castradoras

Foi ATÉ HOJE
Está agora 
E continuará? 
Creio nisso
Arde coisa FEIA encenada
Debito que sim

Roupagens para um povo 
Cego de escolha
Deseleito
Matilha mansa
Obediente
Amante de dono

Escolhas traídas nas dinastias
As de hoje e as outras
Para desonra dos COLHÕES
Coitados
Aspirantes colhões tugas
Ao tão pouco que te entregas

Vives no inatingível
És a inatingível visão
Inatingível visão épica do ORGASMO
Desconheces tesão pujante
Andas trajado de desespero
Decorado de decoro

Mas cantas
Pálidas lantejoulas
Que para ti inventas
Mais não sois 
Que ânsia lamuriada
Queixosa inveja

Emigra de ti
Elabora e cuida-te 
Vem-te 
Esporra-te
ESPORRA-TE torrencialmente
Ou morre 

"Um retrato da fome" - Álamo Oliveira
"(...) e João aninhou-se furiosamente no regaço (...) Fernando
abraçou-o danado, a ternura do reencontro a explodir,
corações trocados,
o mundo todo nas conchas das suas mãos (...)"


 Edição: Paulo Passos