domingo, 29 de julho de 2018

CAFÉ COM LETRAS - ÁLAMO OLIVEIRA (UM CHEIRINHO)


ÁLAMO OLIVEIRA, escritor (romance, conto, guião, ensaio, poesia) 
nascido na Ilha Terceira/Portugal, em 2 de Maio de 1945.

Álamo Oliveira - uma nesguinha para aguçar e...suspira-se por mais...!

 Álamo Oliveira. Fotografia: colecção de Guilherme Simões.

"(...) a pequena cidade da ilha que o Poeta doma para fazer evoluir 
a trama do romance - não é um espaço localizado na avença do imaginário. 
Ela pertence a um país que desde sempre se embriagou com a mania dos espaços,
 que fez do mar as estradas dos seus sonhos grandiloquentes e delinquentes, onde cada acostagem e pé em terra eram ferrete de posse e de domínio. Jericó de ilha e de cidade de ilhas, nela recaem as leis do seu país distante, com seus pontas de lança sediados muito obedientes e rabugentos numa autonomia mas vestida e subalimentada. Sabendo o 
Patachão tanto como isso, mandou à outra banda os ditames da literatura com a sua universalidade cingida à comichão sadia duma luxuriante camada de chatos: "Não dá outro trabalho que não seja o de coçar...E este, sim, é um gesto universal." (...)"
Excerto do livro:
"Pátio d´alfândega - meia noite" - Álamo Oliveira

Guilherme Simões e Álamo Oliveira. Fotografia: colecção de Guilherme Simões.


QUE O SAL À MORTE
(Álamo Oliveira, Portugal)

foi tão breve o encontro que

não pudemos falar de poesia.

a vertigem dos olhos mais leves

do que deus ou pluma
nenhum outro peso sobre os ombros
da árvore       ainda a prisão dos dedos
num resto de água e de silêncio.

não dirão do amor mais do que o sal

à morte
mas da ilha dir-se-á o porto
breve marinheiro tatuado de solidão.

deixa crescer as malvas.



Álamo Oliveira. Fotografia: colecção de Guilherme Simões.

"(...) Ainda eram eles que faziam por aguentar mais tempo a sua visita e que
mais vezes se faziam acompanhar pelos filhos. De qualquer forma, Joe Sylvia 
já compreendera que cada vez tinham menos tempo para lhe dar. Tony chegou 
mesmo a deixar a caixa de chocolates sobre a cómoda uma vez que encontrou 
o pai a dormitar na cadeira de rodas. À saída disse a Rosemary que informasse 
o pai dos seus cuidados, das suas saudades. "Bardamerda!" dissera Joe Sylvia no 
seu melhor português. Atirou com a caixa de chocolates para debaixo da cama, 
lamentando a vez que dissera ser daqueles que mais gostava. Foi uma confissão 
imperdoável. Prenda que lhe dessem, por mais que o embrulho disfarçasse, 
já sabia que era uma caixa...de chocolates. Acomodou-se. Aceitou a fatalidade 
como qualquer prisioneiro da fome. Nunca mais teve coragem para confessar 
o quanto detestava aqueles chocolates, os quais responsabilizava por todos 
os males que corriam. Até representavam o seu estar ali à espera da morte, 
com a implacável lentidão de um acto litúrgico, que o deixaria a criar bolor 
e coberto de formigas.(...)"
Excerto do livro: 
"Já não gosto de chocolates" - Álamo Oliveira


Edição:

Guilherme Simões

 Paulo Passos