DOR DE CABEÇA
(Janiel Martins, RN/Brasil)
Sinto uma força a puxar-me
É a força da inocência
Dói, dentro da cabeça
É a eletricidade que tem o corpo
É bonito a complexidade do homem
O blogue – Comer e Saber – apresenta-se com o intuito de exterminar amarras. Impera-se em três rubricas: Sustento da Alma; Café com Letras; Gastronomia e Culinária, como ferramentas de promoção e fomentação de liberdades e pluralidades. Movimenta-se na consciencialização da noção de direito às criatividades, no débito da conjugação dos intrínsecos conceitos de SABER (enquanto fonte de SABOR) e o de SABER (enquanto fonte de CONHECIMENTO).
DOR DE CABEÇA
(Janiel Martins, RN/Brasil)
Sinto uma força a puxar-me
É a força da inocência
Dói, dentro da cabeça
É a eletricidade que tem o corpo
É bonito a complexidade do homem
Publicado, originalmente, em Psicologia.pt a: 2019-04-21
http://www.psicologia.pt/artigosher cronica.php?trocar-o-pe-por-um-pe-deboi&codigo=CR0031
Paulo Passos
Psicólogo clínico, Braga/Portugal
"A mesa já estava atulhada de canecas vazias e de pratos com cascas de marisco que Aristides Galante tinha comido.
Eleutéria chamou o
empregado, pediu uma garrafa de vinho branco fresca, camarões e um gelado para a neta.
Aristides Galante pediu mais uma caneca de cerveja.
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Aristides
Galante era um poço desmedido de subalternidade para com a mulher.
Nunca foi considerado em nada, exceptuando-se a
consideração elevadíssima com que era
contemplado, pela garantia do dinheiro que injectava na família e sustentava os
cartões dourados de Eleutéria.
Dentro de casa,
Aristides Galante, não era tido nem achado.
Vendo-os na
rua, ele era um penedo que seguia, sempre dois ou três passos atrás, a gaiteira e determinada mulher.
Homem rude, estatura média, abdómen bem saliente, tinha conseguido fortuna
à custa do seu trabalho, digno
de se dizer! Mas também às custas de algumas estratégias menos transparentes e de malabarismos que escondiam meandros que Aristides Galante tão bem conhecia.
Trabalhava na
construção civil desde os seus onze anos de idade, altura em que saiu da escola
com a terceira classe.
Burgesso era
a sua natural evidência e lucro era o seu maior objectivo - pilares da sua existência.
Fora de casa e, sobretudo no trabalho, não tinha pejo à exploração de
outros e dos próprios funcionários
da empresa. Nestes, no que dizia respeito ao pagamento que lhes eram devidos, arranjava sempre forma de cortar no número de horas
trabalhadas.
Já dava para
mais uma mariscada bem regada, que tanto apreciava.
Nunca passava muito tempo sem que a maior travessa, na marisqueira que mais
apreciasse, não estivesse transbordando à sua
frente, juntamente com fartas canecas de cerveja, onde as comezainas entravam
bem pelo tempo adentro.
Já recostado,
arrotava Aristides Galante, enquanto tirava bocados de marisco dos dentes, com
uma unha de lagosta.
O suor que
lhe escorria pelo rosto era afastado com as costas da mão, ainda com a pinça de um lavagante presa pelos dedos.
No rebordo da mais recente caneca de cerveja
iam-se já acumulando lascas de marisco. Glórinha adormecera na cadeira sem ter acabado de lamber o segundo gelado.
Sem assunto,
Aristides Galante e Eleutéria terminavam a manja, para sustento do peso dos feitios, feitos corpos.
Aristides Galante tentava levantar-se, mas a manobra foi dificultada pelo
excessivo carregamento de peso
sobre as, já meio falidas, articulações das pernas e pelos desequilíbrios adjacentes.
Eleutéria, com as mesmas privações de habilidades, proclamava que ainda
havia de chegar o dia em que mandaria trocar o pé, de Aristides Galante, por um
pujante pé de boi."
Publicado, originalmente, em Psicologia.pt a: 2019-04-21
http://www.psicologia.pt/artigosher cronica.php?trocar-o-pe-por-um-pe-deboi&codigo=CR0031
Paulo Passos
Psicólogo clínico, Braga/Portugal
"A pequena Glórinha estava forrada com um creme branco, colocado em pasta, para a proteger das radiações solares. Na cara só se viam os olhos.
Usava, tal como a avó, uma touca de borracha na cabeça para não molhar o
cabelo. A touca de Glórinha era
toda cor-de-laranja, mas com relevos que desenhavam formas de peixes. Condizia com o fato de banho onde a pequena estava enfiada, que
também era cor-de-laranja, com uns
favos salientes em branco, que a faziam parecer insuflada, em sobreposição à sua frágil estrutura.
Não saía da
zona de sombra do guarda-sol de praia, por imposição da avó. Podia sair dali quando a avó ia à água e a levava para nela se apoiar.
Quando
regressavam ao guarda-sol, invariavelmente era feita uma visita à imponente caixa térmica.
Eleutéria nunca a
voltava a fechar sem estar já a mastigar alguma coisa.
Glória Micaela, alternativa única de nome e estipulado pela junção do nome
(Glória) da tia-madrinha materna, e
da filha desta (Micaela), prima quatro anos mais velha, era uma criança diminuta, em questões de apetite.
Nunca um vendedor de bolos, bebidas ou gelados, que circulavam pela praia,
por ali passava sem que Eleutéria o mandasse parar.
Escolhia sempre alguma coisa.
Aos refrigerantes, não dava tempo de o vendedor fazer o troco do dinheiro,
na bolsa que trazia na cintura, para onde tinha que olhar.
Quando olhava para ela já a garrafa estava vazia e ela com o braço esticado
a pedir outro, enquanto enterrava o fundo da garrafa vazia na areia.
Avistou um vendedor de gelados.
O rapaz ouve o chamamento de Eleutéria e freou-se, qualificando o seu
produto.
Não era preciso tanto trabalho pois era certo que Eleutéria ia comprar um
gelado para Glórinha e outro para si.
Escolheram e, enquanto Eleutéria devorava o dela, a neta lambia, pasmada e lentamente, o seu.
Um calor sem tréguas e, pouco tempo depois, já Glórinha era um vale de
gelado derretido.
No pouco chocolate que ainda se prendia ao pau, pousou e colou-se uma
descomunal mosca vareja esverdeada.
A pequena, sem se aperceber, continuava a lamber de um lado, e a mosca
satisfazia-se do outro.
Eleutéria vê aquele
preparo, sai disparada para junto da neta, dá uma sacudidela para afastar a mosca, mas vai
tudo. Vai mosca, vai gelado e vai Glórinha, que pega num berreiro, aumentando a
javardice em que toda ela já estava.
Estava melada até à
alma.
Era gelado derretido, era ranho, era creme solar, era areia, eram lágrimas,
era baba, era a avó a reclamar, enquanto agarrava em toda aquela tralha para se irem
embora.
Tinha-se acabado a tarde de praia.
Em direcção à estrada, ia e resmungava Eleutéria, atulhada de sacos,
guarda-sol, caixa térmica, e um grande saco com tudo o que era brinquedo de praia da neta.
Eleutéria ainda não tinha tirado a touca da cabeça e era seguida por
Glórinha, que ainda não tinha parado de chorar.
Atravessaram a estrada e Eleutéria estatelou toda a tralha no chão,
despejando-se numa cadeira da mesa onde o marido estava sentado de esplanada."
Publicado, originalmente, em Psicologia.pt a: 2019-04-21
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cronica.php?trocar-o-pe-por-um-pe-deboi&codigo=CR0031
Paulo Passos
Psicólogo clínico, Braga/Portugal
"Eleutéria era, também de corpo, um mau feitio.
Tinha uma linha que a seguia de cima a baixo, sem necessidade de cumprir
quaisquer curvas, mas quando a
medida era tirada de perfil, a linha contornante do seu corpo já exibia grandes lombas para a diante.
Tudo isto, adicionado ao seu tamanho, que não ia além de um metro e pouco,
construía um panorama que
implicava comentários com ou sem graça, consoante os gostos e as intencionais aventuras.
Agravava tudo com o
carnaval que punha em cima de si.
Estava com um fato de
banho de perna, amarelo e azul-claro às riscas horizontais.
Vários colares garridos saíam-lhe pelo pescoço, a contornarem o seu grande
e sustentado par de mamas, terminando suspensos e a
abanar por toda ela, que rivalizava com uma
montra de bugiganga barata, com o produto todo amontoado.
Usava uma
touca na cabeça, de borracha amarela com flores cor-de-rosa, que abanavam com os movimentos, por serem fixas apenas ao meio.
Na areia ou na água,
nunca aquela touca saía.
Quando ia ao mar, a água não lhe subia mais que
meia perna. Tinha medo e
as ondas faziam-lhe cócegas provocantes.
Molhava-se, apenas no rescaldo da onda, baixando-se e salpicando o corpo
com uma mão, enquanto se
apoiava na neta Glória Micaela (indiscutivelmente chamada de Glórinha, tanto pela fragilidade do corpo, como pelo cariz nervoso e
trémulo com que a criatura se
apresentava), para se manter equilibrada.
As alças do fato de banho, muito vincadas nos ombros, pela cedência da
camada gorda que lhe forrava o
corpo, contrastavam com o vermelho vivo, já em ferida, da pele queimada do sol.
Independentemente
da temperatura da água e das condições do mar, os gritos e gargalhadas eram intermináveis, durante todo o tempo que lá estivesse."
AS COBRAS
ÀS VEZES
(Janiel Martins, RN/Brasil)
... sinto vontade de cair
num abismo
... seria bom
viver flutuando
... não sentir o peso
da terra.
Cada dia o ar está mais distante.
Ruth, tu achas que a comida que nós comemos, serve de alimento só para o nosso corpo e o ar serve de comida para a nossa imaginação?Pode falar o que tu queres mais?
Já que não vou tomar café, posso ir dormir e só acordar quando o sol for dormir, para ver o céu com aquelas cores de fogo que dá um medinho na pessoa. Se puder, eu quero acordar de madrugada para ver as estrelas e as estrelas cadentes.
Ai Ruth, para tu não se abusar de fazer as mesmas coisas, tu vai pensado em coisas que pode melhorar o teu corpo. Só não vai pensar em se apiriquitar e pensar em perfumes, porque cada animal tem o seu cheiro próprio.
Mas amigo, nosso sovaco não é muito agradável, não.
É a nossa defesa. Gosta de nós, quem gosta realmente.
Deixa eu pensar só em desodorizante?
Não pode, Ruth porque tem água e pode causar um curto circuito no corpo, porque a energia vai está mais concentrada.
O que não fazemos para viver mais um tempo! Isto vai dar certo, amigo?
Tem tudo para dar certo. Temos que deixar de viver para a morte e viver para nós.
Isto não é egoísmo, amigo?
Tu estás insinuando que é bom que nos falte o ar?
Não amigo, mas não temos que abrir caminhos para as novas gerações?
Temos que ser a vida e dela usufruir.
A vida é cansativa, amigo?
É porque gastamos energia com pensamentos que desgastam o nosso cérebro. O ser humano levou a vida para os problemas e não sabemos viver a vida como os animais. Tu já imaginou, Ruth, como uma cobra é inteligente? Até veneno tem. E nós o que temos? um par de sovaco podre.
Devia ser usado para nos defender de algum bicho!
Será Ruth?
Veio na imaginação, assim sem querer.
Faz algum sentido.
Ruth eu não quero que tu se vai embora não. Vou fazer veia para tu?
Como assim amigo?
Um plástico dura mais do que nós, então com o plástico podemos fazer as veias e colocar em nós.
Também sinto dor nos ossos?
Também vou fazer ossos para tu, ao invés das pessoas usarem para se apiriquitarem. Fazemos ossos e trocamos pelo de cinzas que temos.
E os olhos amigo, que quase não vejo mais nada?
Vou pegar duas câmaras de filmar e troco pelos teus olhos.
Tu acha que vai dar certo isso, amigo?
Se eu vir que não está dando muito certo, faço tudo de ferro e deixo só o teu juízo funcionando com uma câmara, para tu poder ver e fazer o que tu gosta.
Seria uma má ideia, não!
E tu ia querer fazer o que, Ruth? Para modo eu já ir pensado, só não pode querer comer porque vai ter muita eletricidade do teu corpo de ferro. Aí pode dar um choque e queimar o teu cérebro.
Vixe... assim é meio ruim!
É e não é, porque temos que ser rápidos porque dentro de algumas décadas vai morrer e eu tenho medo de queimar todo o meu pensamento.
Então eu vou querer dormir bastante, anote aí amigo.
Está bem, assim é bom que belo menos não gasta muita energia.
Vou acordar para ver o sol se acordando e ouvir os pássaros. E eu vou ter ouvidos, amigo?
Claro que sim, vai ser um microfone, que vai servir para tu escutar e as outras pessoas ouvirem o que tu pensa.
ALEXANDRA, ASSISTENTE VIRTUAL (I)
(Janiel Martins, RN/Brasil)
Dona Maria, saiu o prémio, da fábrica, para nós.
Foi mesmo?
Foi, e foi um prémio até bom.
Já sei que o jantar de Natal vai ser muito bom.
Vai sim, vai ter um passeio de helicóptero.
É mesmo.
É sim, mas seu António vai entrar com uma parte.
Será que NASA vai-nos responder ao email, seu António?
Claro que sim, este dinheiro vai fazer o bem à humanidade.
O que essas senhoras vão fazer com 200 milhões de euros!?!
É mesmo.
Comadre, já comprei o vestido e um salto para o jantar e o passeio de helicóptero.
Eu também, comadre.
Comadre, que helicóptero estranho, não tem a hélice.
É mesmo.
Mas o meu neto tem um drone que tem quatro hélices bem pequeninhas, deve ser do mesmo fabricante.
Comadre esse negócio treme demais.
É estranho.
Por favor, sente-se na cadeira e aperte o cinto no máximo.
Comadre, tem uma mulher falando
Sim tem mesmo, desculpa por não ter me apresentado eu sou a Alexandra, a sua assistente de bordo.
Ham...
Sim, eu sou Alexandra, irei te acompanhar nesta viajem a marte, que durará 2 anos, pois estamos no ponto mais distante.
E cadê o nosso jantar de Natal, Alexandra?
O vosso jantar está dentro desta gaveta.
Recomendo seguir as minhas orientações, pois só teremos esta comida.
Comprimido!?
Eu quero leitão e vinho verde.
Infelizmente, Dona Maria, não posso realizar o seu desejo, pois estamos em gravidade zero, a comida não seria digerida.
Comadre, olha lá para baixo.
Só tem escuridão e uns pontinhos de luz.
Alguma dúvida?
Quero voltar para casa.
Infelizmente não tenho autonomia para isso.
Alexandra, porque você nos trouxe para aqui?
Porque vocês ganharam o maior prémio da lotaria Europeia e, com isso, vocês iriam produzir muitos danos à natureza.
É verdade, já estava pensando em soltar aqueles peidos gostosos, quando o leitão começasse a digerir.
Os gases fazem muito mal para o meio ambiente.
Os gases ...
13 e 99 (V)
(Janiel Martins, RN/Brasil)
Tu querias parar aqui na terra para sempre 66?
Acha que eu sou doido, 13?
Porquê, 66?
Com esse mundão todo eu ia ficar aqui para sempre? Nada disso, eu quero é concluir a minha sina aqui na terra e partir para conhecer o vale do mundo sem fim. Deve ter cada bicho bonito noutros lugares que a nossa mente nem é capaz de imaginar. Devemos sentir aquele medo do novo, do mistério, o prazer do medo de não tocar de vez. O nosso espírito vai ver cada cor que nem imaginamos enxergar, que o espirito tem um visão muito apurado 13. E quero ouvir o barulho que o mundo faz...
É o espírito também tem ouvidos?
Claro 13, nós entendemos o que os outros falam dos sonhos, é porque os espíritos nos escutam! Deve ser um ruído muito bonito, aquele som que você deve procurar de onde vem e ficar encantado com a distância.
Quando eu me desligar do corpo eu vou passar um bocado de tempo na terra, para mim me orientar e depois vou para a lua, aí vou ficar de lar para a terra...
E se tu for todo queimado, pelas tuas maldades? Lembre se a criança que coloca a boca no peito, colocar a pontinha do dedo, já é queimada. E tu já mamou muito e fez outras coisas. Pára com isso 13.
Só avisei.
Depois vou descobrir outros lugares e sigo descobrindo a minha casa sem fim.
E tu vai levar quem com tu 66?
Nós não levamos ninguém.
Os outros espíritos entram nos nossos caminhos e saem quando cumprirem a sua sina.