domingo, 30 de abril de 2023

CAFÉ COM LETRAS - BURACO DE PAREDE II

 

BURACO DE PAREDE II

(Janiel Martins, RN/Brasil)

Tu vai vir amanhã, Josivaldo?
Vou sim que amanhã não vai ter lua e eu vou carregar tu, pra modo nós ter a nossa vida.
Não sei se eu vou ter coragem, porque a porta faz muito barulho quando vai abrir.
Tu pula pela janela.
É mesmo, a janela não faz muito barulho, já a porta, o pai ia dar um pulo danado da cama.

Bora dormir, Terezinha, está na hora.
Já vou, meu pai.
Tchau Terezinha.
Um cheiro, Josivaldo.
Outro no cangote cangote e arrume as tua roupa. 

(O dia no Sertão passa acompanhado o sol. É longo. Nos dias que chove, não é um dia, é uma festa, no olhar de cada sertanejo.)

Mulher, o filho de Antonhe Grande é corajoso. 
Tá um escuro medonho e o cabra veio olhar a nossa filha. Eu coloquei o pinico debaixo da cama. Eu saio nem me pagando uma fortuna.

Escutou?
O quê, homem?

(Houve um abraço e adormeceram. O galo cantou. Um frio entrava na casa. A luz não acendia.)

Mulher, mulher.
O que foi, homem?
Tu botou gás na luz?
Não, porque está cheia.
Está entrando um vento forte!
Terezinha, Terezinha, tu deixou a porta aberta?
Deixa a menina dormir, José.
Vamos fechar a porta.
Segura a luz, mulher.
É a janela
Tais pensando o que eu estou pensando mulher?
Será que o danado carregou a nossa filha?


(A rede de Terezinha estava vazia. Um vazio junto de culpa e felicidade encheu a casa com sentimento desconhecido.)

Aquela danada não entra mais aqui.
Não fale isso, homem.
Desonrou antes de conhecer o cabra direito.

(Deitaram na cama, sem uma palavra a mais.)

Não tenho mais compromisso com Terezinha.
Ela é a nossa filha
Tua, minha mais não.

(Se eu continuasse a falar, o homem enlouquecia.)


domingo, 23 de abril de 2023

CAFÉ COM LETRAS - BURACO DE PAREDE I



BURACO DE PAREDE I
(Janiel Martins, RN/Brasil)

Espia só como ele é vistoso.
Vá para janela, menina.
Vou, minha mãe?
Vá enquanto seu pai não chega.
Vai dar cabimento para ele.
O que é que eu faço, minha mãe?
Dê um sorriso bem bonito para o moço, minina.
O moço está olhando para tu.
Ele gostou de tu, Terezinha.
Foi, minha mãe?
Foi sim. 
Ele quase torceu o pescoço para ficar olhando para tu.
Mas o danado do jumento desebechou.
Quando ele passar aqui, de novo, tu corre para janela, Terezinha.

Meu pai, vou pegar água com Zefa.
Cuidado, minina.

Porque tu olha para mim todo dia quando eu passo na tua casa, Terezinha?
Eu queria namorar com tu.
Eu quero.
Para isso, tu tem que pedi ao meu pai.
Teu pai?
Sim.
Vixe, ele parece bicho bruto.
Mas fazer o quê? 
Qualquer dia desses quando der coragem eu vou lá na tua casa, pedir tu em namoro.
Tu vai  mesmo?
Claro que vou, Terezinha.
Diga nada pra pai não, Zefinha, Ouviu? Senão eu não trago tu para pegar água.

(É meio dia no Sertão. O sol dá bem no meio do miolo da cabeça. Todos repousam.)

Oh de casa...oh de casa!
Oh de fora!
Aff ainda bem que responderam.
É Josivaldo, o filho de Antonhe Grande.
O que quer?
(Se eu pedir um copo da água, vou parecer um cabra frouxo, se for direto ao assunto o cabra pode me engolir).
Que calor é esse? 
Oh ano ruim de chuva.
Entra, meu filho.
E o senhor plantou muito esse ano?
Plantei um saco de feijão, mais dez kilo para tirar a semente, um tambó de milho, mais vinte quilo para tirar semente e cinquenta quilo de fava.
Trabalha bem, seu Florenço!
Nada, metade é para as lagartas e o restante é para nós comermos.
O ano passado tivemos que sair de dentro de casa para guardar a safra.
Teu pai plantou bem?
Plantou um pouco menos, mais plantamos um bocado bom, a família é menor.
Cada dia a chuva fica mais difícil, no nosso Sertão.
La em casa, nós plantamos um pé de feijão, as lagartas come tudo, parece que fica esperando para comer.
É esses anos de seca, só para as lagartas.
Coloca um café para o menino, Francinete.
Francinete?
Tou aqui.
Traga um café.
Oh cabra bom é esse.
Aqui as lagarta também faz o mesmo.

Seu José, eu queria falar um negócio para o Senhor, sem tirar o seu respeito.
Fale cabra.
Eu vim aqui pra mode, eu pedi a mão da tua menina maior em namoro.
Francinete e Terezinha venham aqui.
Tou aqui, pai.
Você deu cabimente para ele?
Não, meu pai.
E ele soltou cabimente para você, Terezinha?
Não.
Como você é um cabra respeitador, eu vou aceitar.
Agora é o seguinte, cabra, tá vendo esse buraco de parede?
É por aqui que vocês vão namorar, até vocês decidirem o que vão fazer.
Saiba que daqui, Terezinha só sai casada.
Está bem, Seu José, eu quero muito uma mulher para mim poder casar e ter a minha casinha e fazer o meu roçadinho.

(A noite no Sertão é silenciosa. Em noites sem lua o breu toma de conta do mundo. A lua é amiga do sertanejo.)

domingo, 16 de abril de 2023

CAFÉ COM LETRAS - SETE LABIRINTOS (OUTRA PARTE)


SETE LABIRINTOS (OUTRA PARTE)
(Janiel Martina, RN/Brasil)

Minha mãe vem aí um carro?
(O cheiro de gasóleo queimado era muito peculiar no Sertão)
É mesmo um carro e vem perto. 
Vamos fechar as portas.
Deixa eu ver quem é, minha mãe.
Não, e se for um bicho?
Bicho não dirige carro, minha mãe. 
Venha comigo, minha mãe.
Vamos espreitar por este buraquinho da parede.
Oh de casa, onde é o castelo?
É só seguir em frente.
Esse menino pode nos levar no castelo?
Tu quer ir Francivaldo?
Quero sim, minha mãe.
 
Como é o teu nome, homem?
Gisraldo. E o teu? É Fancivaldo.
Vixe, como tua mulher é grandona, tu tem medo dela, não?
Nada, eu também sou grande
E tu tem namorada?
Ainda não, meu pai falou que eu sou pequeno para isso.
 
Esta é a princesa que eu tirei das maletas da serra de São Pedro. 
E tu teve coragem?
Tive sim.
E como o teu nome, princesa?
Walkira.
Tu vivia dentro da maleta?
Era sim, Francivaldo.

Tu sois grandona.
E ele é o teu príncipe?
Sim.
Tu vai morar no castelo, princesa?
Vou sim e tu quer morar connosco?
Só se minha mãe deixar.

domingo, 9 de abril de 2023

CAFÉ COM LETRAS - SETE LABIRINTOS (UMA PARTE)


SETE LABIRINTOS (UMA PARTE)
(Janiel Martina, RN/Brasil)

Qual é o teu sonho?
O meu sonho é voar de avião.
O teu sonho vai ser realizado.
Não, primeiro deixa eu chamar a minha mãe e o meu pai, porque eu tenho medo, princesa.

Um dia eu estava brincando e um monte passou bem baixinho.
Aí eu pensei que o mundo estava desabando.
A minha mãe falou que era um avião e que não fazia medo.
Mas eu tive muito medo.
Tu vai levar eu para fazer medo aos outros?
Vou sim, Francivaldo.

Na janela de um ónibus, a voz descia do cérebro, passava direto para o coração e o coração falava: uau.
Vi gente em cima de prédios e pensei que eram brinquedos.
Segurei firme nos braços do meu pai e entortei a cabeça. 
Meu pai, o que é aquilo?
É um prédio.
Nem me questionei, só admirei.

No avião, senti-me uma gotinha e o avião uma gotona.
Tais pronto pra fazer medo aos outros?
Estou sim, princesa.
Uau como tem muitos botões... 
Tais contente, Francivaldo?
Estou sim.
O medo saiu do meu corpo.
Como assim?
O frio atravessou-o e levou o medo.


domingo, 2 de abril de 2023

CAFÉ COM LETRAS - CAVALARIÇAS DO MOSTEIRO DE TIBÃES, BRAGA: SEMINÁRIO III



DEPRESSÃO NA INFÂNCIA, NA LATÊNCIA, NA PUBERDADE E NA ADOLESCÊNCIA

CAVALARIÇAS DO MOSTEIRO DE TIBÃES

BRAGA / PORTUGAL

31 de Março de 2023

SEMINÁRIO III


A ABERTURA

PAINEL I – DEPRESSÃO: FAMÍLIA E ESCOLA (eventualidades preventivas)





PAINEL II – DEPRESSÃO: CLÍNICA E TERAPÊUTICAS


PAINEL III – DEPRESSÃO: ETIOPATOGENIAS E EPIDEMIOLOGIA



                                                                   PARTICIPAÇÃO



domingo, 26 de março de 2023

CAFÉ COM LETRAS - DONA FLOR


DONA FLOR

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Tu és bela

Dormes na noite

Vieste

Com todo esse charme 

Só para viveres

Um dia


Flor, flor…

Tais falando só, doida?

Não, estava a cantar e invocado.

Há umas flores, que só vivem um dia, e vem com um charme tão bonito... e vive só uma dia.

Elas devem morrer tristes por só viveram um dia.


E eu aqui lamentando.

Elas pensam, doida?

Que resposta fácil: claro que sim o difícil é continuar a viver.

Eu queria ser eterno, mas não estou aqui triste porque vou morrer.

Tu tens medo, tróce?

Não, mas carrego a certeza da morte, que me faz dor, bem no centro do meu coração.

Seremos eternos, o pó sim, o sentimento só compreende que está vendo o mundo.

É por isso que compreendo que as plantas pensam.

De qual maneira, doida? Elas não têm juízo, olhos, orelhas.


O mundo era um vazio, nele não existia nada, como a nossa alma fria.

Pegámos fogo.

Formou a matéria: as estrelas, os planetas, e neles nasceram vidas.

Para quê? 

Para ver o mundo.

À nossa casa tornaremos e não teremos medo da escuridão.

A escuridão é a nossa alma.

A nossa casa ficará.


domingo, 19 de março de 2023

CAFÉ COM LETRAS - DOMINGO


DOMINGO

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Que dia este

Frio


Sinto a alma

Fria


Dá arrepio

De tristeza


(Albert Einstein

Falou que somos energia

Li num jornal)

 

O sétimo dia é esgotante

Máximo de energia

Que o nosso corpo reproduz


Já que somos um corpo

Venha tomar um solzinho


Tu já estás com essa energia toda?



domingo, 12 de março de 2023

CAFÉ COM LETRAS - ME SUPORTAR


ME SUPORTAR

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Não digas que me amas

Às vezes nem me suporto

Como amar... 

... o mar que me suporta

Se nem a ti 

Suportas


domingo, 5 de março de 2023

CAFÉ COM LETRAS - INALAR


INALAR

(Janiel Martins, RN/Brasil)


A vida é uma cócega

É uma saudade dos que gostamos


De um prato de comida

De um vinho


O medo da morte me dá desgosto 

Me esporro pra tentar continuar


Tristeza, tenho

Não deixe o sentir

Coloque no sono

A morte espera pelos vivos


Deixe o vento inalar-te

Ainda tenho esperança de ser um pássaro 


Só me resta um coração 

E um mundo

 

Sendo levado

Olhando e encantando



 

domingo, 26 de fevereiro de 2023

CAFÉ COM LETRAS - SEM SENTIDO

SEM SENTIDO

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Fizeram-me na inocência.

Cresci para matar a fome.

A fome é sabida.

Anda a ver, pega, sente, escuta e cheira.


Queria ter algo a mais no meu corpo!

Para quê menino?

Sei não.  Se fosse uns chifres era para dar cabeçada no povo ruim; um terceiro olho não, porque já vimos de mais das contas e ia dar mais dor de cabeça.

Que diabo tu queres menino?

Asas também não, porque somos grandes e aí, se levasse queda ia quebrar muitos ossos.

Podia ser assim: no peito nasciam mais duas pernas, para nos conseguirmos equilibrar melhor na terra, porque a terra roda muito, fazendo, até, um friozinho do cérebro. 

Faz medo e, na tontura da velhice, se a pessoa tiver com muitos pés no chão, na vai sentir tanto.