domingo, 25 de junho de 2023

CAFÉ COM LETRAS - PORTO SANTO


PORTO SANTO

(Janiel Martins, RN/Brasil)

 

O Porto é Santo

Não deixa os demónios te dominarem 

 

O Porto é Santo

É o filho que os pais fazem questão

De falar para os amigos

O meu filho é diferente

 

O Porto é Santo

Tem delicadeza peculiar do restante Portugal

Como se poesia 

Florbela Espanca

 

 

quarta-feira, 21 de junho de 2023

UM FOGUETE



UM FOGUETE

(Janiel Martrins, RN/Brasil)


Nesta terra

Para onde fui lançado

Há fome

Há tristeza


A sujeira

Não é material

Há sujeira

(Senti)mental

 

Oh homem

Porque paraste de pensar?

domingo, 11 de junho de 2023

CAFÉ COM LETRAS - SALTO


SALTO

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Reconheça

Que é dopamina

Corpo

 

É uma infecção

De infantilidade

 

Reconheça

Que é apenas

Uma infecção

De piedade

Infantil

 

Não tenho defesas

As infecções

Só antibióticos

 

domingo, 4 de junho de 2023

CAFÉ COM LETRAS - NÃO HÁ ARMAS

 


NÃO HÁ ARMAS

(Janiel Martins, RN/Brasil)


As paixões são venenosas

É uma parte alheia

O narcisismo é seco

 

Não vou criar armas

Que se fodam os meus pobres sentimentos

Que se fodam?

 

domingo, 28 de maio de 2023

CAFÉ COM LETRAS - MERGULHANDO NO VÁCUO


MERGULHANDO NO VÁCUO

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Mergulhei num abismo onde o medo não existe.

Só sinto o sangue escorrendo no pobre coração que um dia faltará.

Fico triste.

Estás falando só, doida?

Estou pensado.

A vida é a resistência de viver e não podemos parar.

Viver o quê, doida? 

O tempo é uma solidão.

As cobras são engraçadas. Só dormem e caçam.  

Acho que vou ser uma como uma cobra.

O que as cobras pensaram para evoluir e chegar a este corpo, Francivaldo?

É mesmo! Devem ter pensado a vida é uma foda. 

Lá vens tu com as fodas, Francivaldo!

Assim disse Jesus Cristo. Dai de comer e de beber, a quem tem fome e a quem tenha sede. 

A fome não é só de pão, doida, a forme também é da carne.

Faz sentido, Francivaldo.

Olha doida, o pé do menino que Deus esqueceu aqui fora.

Vixe... que pé bonito.

Deixa eu colocar ele dentro de tu, pra nós trazer outra vida?

Larga com isto, Francivaldo.

domingo, 21 de maio de 2023

CAFÉ COM LETRAS - ESQUECIMENTO DE DEUS

 


ESQUECIMENTO DE DEUS

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Gosto do cheiro das plantas

Gosto da fome

Do cheiro da fome de viver

Gosto de olhar o pé de menino 

Que Deus esqueceu aqui dentro.


domingo, 14 de maio de 2023

CAFÉ COM LETRAS - BURACO DE PAREDE IV

 

BURACO DE PAREDE IV

(Janiel Martins, RN/Brasil)


... Quatro dias depois

Minha mãe, eu vim pegar minhas roupa.
Vá logo minha filha, que o seu pai é muito ignorante, se ele chegar aqui vai falar besteira.          

E essa cara labida veio aqui fazer o quê?, Não está bom na casa do seu macho?

Fale assim com a menina, não.
Você também quer ir embora? Vá com ela.
Deixe de ser bruto homem, nem os animais são assim...resmunga, resmunga com tu mesmo.

Vá minha filha.

Um dia eu volto para visitar a senhora e meu pai.
Volte quando a poeira baixar minha filha, e nunca deixe os outros pisar em você.
O caminho não volta para nós.

(A separação para o ser humano é bruta. O ser humano não foi preparado para a separação.)

Terezinha eu vou para São Paulo
Vá não, Josivaldo, São Paulo é muito longe, eu vou ficar com saudades de tu, assim como aquela estrela tem das outras amigas delas. As estrelas, pelo menos, elas avistam umas às outras e se tu for eu nem vou ver tu.
Eu vou porque eu quero uma vida melhor para nós.
O meu coração murcha, quando tu fala que vai embora. Dá um frio dentro do meu peito e o meu peito só tem um namorado.
E tu tem outro namorado, Terezinha?
O namorado do nosso peito é o nosso coração, ninguém entra dentro do nosso corpo. O namorado do corpo é o nosso espelho, é a sua proteção. Dentro de nós não precisamos de companhia, Só da nossa natureza, imagina só a tristeza de uma estrela.

Dizem que Dalva não é uma estrela, é um planeta.
Cada estrela tem um bocado de filho, e Dalva é iluminada pelo nossa estrela que chamamos de Sol, e as estrelas para não viverem só, têm os planetas que vivem os arrodeando.
E a lua é o quê?
A lâmpada da terra.
É Terezinha?
Não sei não, só sei que a minha imaginação pensa assim, e como nós não podemos ficar com muita coisa no miolo da cabeça, eu acredito na minha imaginação.

Dizem que é bom plantar quando a lua está nova, que joga toda a força para a terra e deita a galinha para nascer na força da lua, para os ovos quebrar melhor.
Eu fico com o meu juízo tremendo quando a lua está cheia.
É Terezinha?
É sim, tenho um sentimento de inveja, com tristeza de não o conhecer o mundo, quando a lua está grandona.



Serra das Tapuias, 2002

(O silêncio permaneceu durante todo o dia, a lua nasceu bem cedinho, ninguém comeu, o barulho do carro de Dede, veio como o chorro)


Olha...
(a sacolinha com os teus documentos, não foi falado, a mão foi estendida)

Fechei a cabeça, sem deixar sair lagrimas, fechei, deitei sem mesmo ter forças para fechar a porta. Não tive medo, pois naquela noite já não existia sentimentos, acordei com um frio no peito que não era aquecido com café. Tinha perdido os sentimentos todos. Fiquei como uma estrela, solitária. Preferi ficar na cama mais um dia e uma noite. A morte doera menos. Hoje eu sou a estrela Dalva.


domingo, 7 de maio de 2023

CAFÉ COM LETRAS - BURACO DE PAREDE III

 

BURACO DE PAREDE III

(Janiel Martins, RN/Brasil)

(Sertão, Serra da Tapuia 1999)

Eu vou entrar.
 Tu corres para dentro do armazém. Eu vou tomar um copo da água e dizer a papai que cheguei. Vou trazer um copo da água para tu.

Chegou meu filho?
Cheguei sim, meu pai.

Tome cuidado Josivaldo, nessa escuridão uma raposa louca pode te pegar.
Não se preocupe minha mãe, que eu não vou mais lá, em Terezinha, não.
Terminou o namoro, meu filho?
Não meu pai, em noite sem lua eu não vou mais não, faz medo, até as estrelas tavam longe.
Muito bem meu filho.

Terezinha tá aqui a tua água.
Ou água boa, é de onde?
Do tanque de Manoel Martins.
É bem docinha, essa água.
Nós bebe lá da cacimba de António Júnior, a água de lá é mais salobra.
Agora tu vai beber essa bem docinha.
É Josivaldo.
É sim, e esse noite vamos passar a noite acordados para amanhã quando papai e mamãe acordar pegar nós dormindo, juntos, para eles saberem que nós fizemos safadeza e vamos morar juntos, eu sou o teu homem e tu sois a minha mulher.

Manuel Grande, Manuel Grande...
O que foi, mulher!
Espia só a safadeza aqui dentro de casa.
Que safadeza, mulher?
espia com teu dois olhos
Deixa eles dormir, que deve está cansado.
Sei não.
O que que tem mulher, nós já matamos a nossa vontade, agora é a vez deles.
Sei não como são vocês, pai.
As crias tem que viver solto.
Vocês sabem fazer safadeza e depois largar as crias.

Acorda minha filha, já que está aqui vai ter que viver sobre o meu controle, se comporte se não eu puxo as rédeas e você Josivaldo vá pegar água.
Vou minha mãe, só se a senhora fazer uma promessa para mim.

Tu traz um rabo de saia para dentro de casa e quer que eu te obedeça?
É só um pedido, minha mãe.
Se os pai de Terezinha vierem buscar ela, não deixe eles levaram não.
Tu acha que eles vem pegar um moça que já fui bulida?
Tu promete, minha mãe?
Tá prometido, meu filho.


domingo, 30 de abril de 2023

CAFÉ COM LETRAS - BURACO DE PAREDE II

 

BURACO DE PAREDE II

(Janiel Martins, RN/Brasil)

Tu vai vir amanhã, Josivaldo?
Vou sim que amanhã não vai ter lua e eu vou carregar tu, pra modo nós ter a nossa vida.
Não sei se eu vou ter coragem, porque a porta faz muito barulho quando vai abrir.
Tu pula pela janela.
É mesmo, a janela não faz muito barulho, já a porta, o pai ia dar um pulo danado da cama.

Bora dormir, Terezinha, está na hora.
Já vou, meu pai.
Tchau Terezinha.
Um cheiro, Josivaldo.
Outro no cangote cangote e arrume as tua roupa. 

(O dia no Sertão passa acompanhado o sol. É longo. Nos dias que chove, não é um dia, é uma festa, no olhar de cada sertanejo.)

Mulher, o filho de Antonhe Grande é corajoso. 
Tá um escuro medonho e o cabra veio olhar a nossa filha. Eu coloquei o pinico debaixo da cama. Eu saio nem me pagando uma fortuna.

Escutou?
O quê, homem?

(Houve um abraço e adormeceram. O galo cantou. Um frio entrava na casa. A luz não acendia.)

Mulher, mulher.
O que foi, homem?
Tu botou gás na luz?
Não, porque está cheia.
Está entrando um vento forte!
Terezinha, Terezinha, tu deixou a porta aberta?
Deixa a menina dormir, José.
Vamos fechar a porta.
Segura a luz, mulher.
É a janela
Tais pensando o que eu estou pensando mulher?
Será que o danado carregou a nossa filha?


(A rede de Terezinha estava vazia. Um vazio junto de culpa e felicidade encheu a casa com sentimento desconhecido.)

Aquela danada não entra mais aqui.
Não fale isso, homem.
Desonrou antes de conhecer o cabra direito.

(Deitaram na cama, sem uma palavra a mais.)

Não tenho mais compromisso com Terezinha.
Ela é a nossa filha
Tua, minha mais não.

(Se eu continuasse a falar, o homem enlouquecia.)


domingo, 23 de abril de 2023

CAFÉ COM LETRAS - BURACO DE PAREDE I



BURACO DE PAREDE I
(Janiel Martins, RN/Brasil)

Espia só como ele é vistoso.
Vá para janela, menina.
Vou, minha mãe?
Vá enquanto seu pai não chega.
Vai dar cabimento para ele.
O que é que eu faço, minha mãe?
Dê um sorriso bem bonito para o moço, minina.
O moço está olhando para tu.
Ele gostou de tu, Terezinha.
Foi, minha mãe?
Foi sim. 
Ele quase torceu o pescoço para ficar olhando para tu.
Mas o danado do jumento desebechou.
Quando ele passar aqui, de novo, tu corre para janela, Terezinha.

Meu pai, vou pegar água com Zefa.
Cuidado, minina.

Porque tu olha para mim todo dia quando eu passo na tua casa, Terezinha?
Eu queria namorar com tu.
Eu quero.
Para isso, tu tem que pedi ao meu pai.
Teu pai?
Sim.
Vixe, ele parece bicho bruto.
Mas fazer o quê? 
Qualquer dia desses quando der coragem eu vou lá na tua casa, pedir tu em namoro.
Tu vai  mesmo?
Claro que vou, Terezinha.
Diga nada pra pai não, Zefinha, Ouviu? Senão eu não trago tu para pegar água.

(É meio dia no Sertão. O sol dá bem no meio do miolo da cabeça. Todos repousam.)

Oh de casa...oh de casa!
Oh de fora!
Aff ainda bem que responderam.
É Josivaldo, o filho de Antonhe Grande.
O que quer?
(Se eu pedir um copo da água, vou parecer um cabra frouxo, se for direto ao assunto o cabra pode me engolir).
Que calor é esse? 
Oh ano ruim de chuva.
Entra, meu filho.
E o senhor plantou muito esse ano?
Plantei um saco de feijão, mais dez kilo para tirar a semente, um tambó de milho, mais vinte quilo para tirar semente e cinquenta quilo de fava.
Trabalha bem, seu Florenço!
Nada, metade é para as lagartas e o restante é para nós comermos.
O ano passado tivemos que sair de dentro de casa para guardar a safra.
Teu pai plantou bem?
Plantou um pouco menos, mais plantamos um bocado bom, a família é menor.
Cada dia a chuva fica mais difícil, no nosso Sertão.
La em casa, nós plantamos um pé de feijão, as lagartas come tudo, parece que fica esperando para comer.
É esses anos de seca, só para as lagartas.
Coloca um café para o menino, Francinete.
Francinete?
Tou aqui.
Traga um café.
Oh cabra bom é esse.
Aqui as lagarta também faz o mesmo.

Seu José, eu queria falar um negócio para o Senhor, sem tirar o seu respeito.
Fale cabra.
Eu vim aqui pra mode, eu pedi a mão da tua menina maior em namoro.
Francinete e Terezinha venham aqui.
Tou aqui, pai.
Você deu cabimente para ele?
Não, meu pai.
E ele soltou cabimente para você, Terezinha?
Não.
Como você é um cabra respeitador, eu vou aceitar.
Agora é o seguinte, cabra, tá vendo esse buraco de parede?
É por aqui que vocês vão namorar, até vocês decidirem o que vão fazer.
Saiba que daqui, Terezinha só sai casada.
Está bem, Seu José, eu quero muito uma mulher para mim poder casar e ter a minha casinha e fazer o meu roçadinho.

(A noite no Sertão é silenciosa. Em noites sem lua o breu toma de conta do mundo. A lua é amiga do sertanejo.)