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domingo, 1 de outubro de 2023

CAFÉ COM LETRAS - DOIS LADUS, DOIS LADOS


DOIS LADUS, DOIS LADOS

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Metade de mim é preguiça. 

Uma boa parte do pensamento devo ao passado.

Que memória. 

Carregamos reflexos.

Somos tão passado(s).

O importante é não sentir o passado.

Gosto da ilusão. A ilusão leva-nos a lugares escuros e desconhecidos. O desconhecido nós pintamos, no solitário reator cerebral. Gosto do pensamento que me faz escutar as estrelinhas estrelarem. 

Os europeus são educados. Trazem um silêncio como o anoitecer no Sertão. Cada um se recolhe ao berço da sua noite.

Tu tens um livro, homem?

I do not speak portuguese.

Sorry, my dear.

Braga é tão bonita e é eu. Vou caminhar para Caminha. Gosto desta pacata vila. Tem um braço de rio. 

Eu tenho um velho pensamento, brotando dentro do meu velho reator: mergulhei na noite fria junto as meus cheiros, aconchego-me e... que mania é esta de ser adulto? Os animais apartam-se e eu carrego sentimentos. Que faço eu para mantê-los vivos? Aqueço o sangue. 

Os homens têm dois corações. 


domingo, 24 de setembro de 2023

CAFÉ COM LETRAS - O LUTO DE UM AMOR É VIVO


O LUTO DE UM AMOR É VIVO

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Era tão divertido amar-te

Hoje... carago, é o luto em cima da terra

O luto de um amor é vivo


domingo, 10 de setembro de 2023

CAFÉ COM LETRAS - O AMIGO E A RUTH PIANISTA V



O AMIGO E A RUTH PIANISTA - V

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Ruth, quando eu fizer um corpo para tu, tu vai ter que perder alguns hábitos e um deles vai ser o de comer.
É, amigo?
É sim Ruth, tu quer morrer ou viver?
Viver,  amigo.
Então vais ter que deixar algumas coisas de lado.
E como que eu vou fazer para sobreviver?
Eu vou ver ainda, mais eu acho que vai ser assim: eu vou colher os teus desejos e colocar num chip e conectar numa câmera, que vai ser o teu olho...!
Sendo assim eu quero duas, não quero ser zaroinha.
Vou colher os teus desejos, definidos, por exemplo: todos os desejos sexuais e os de comer, eu vou excluir, e claro o desejo da inveja e outros tudinho ruins.
E eu vou viver para quê, amigo?
Ruth tu gosta de quer?
Ver o sol nascendo e se pondo e de ver as nuvens?
Pronto Ruth é isto que tu vai ver e, claro, que tem que trabalhar um pouco, para proteger a terra e a lua que vai ser o sol da terra, porque eu vou matar o sol.
Tu quer matar o sol mesmo, amigo?
Ruth, o que os tubarões fazem para sobreviverem?
Comem-se uns aos outros.
Tu não falou que o sol ia morrer e a vida na terra acabaria com a morte do sol?
Foi amigo.
Então antes que ele nos mate, eu vou matar ele, para sobreviver.

E tu amigo vai querer fazer o quê, quando for conectado com uma máquina?
Eu vou querer dormir bem muito e depois acordar para ver o sol nascendo e se pondo.
Igual a eu?
Vou viver igual a tu!
Vamos continuar amigos, amigo?
Claro que sim.
E vou querer continuar a trabalhar para depois poder sair da terra e conhecer outros planetas.
Amigo, eu vou poder tomar banho?
Ver água sim, tomar banho não sei.
E como que eu vou me limpar?
Vai ser automático.

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

CAFÉ COM LETRAS - O AMIGO E A RUTH PIANISTA IV

O AMIGO E A RUTH PIANISTA - IV

(Janiel Martins, RN/Brasil)

.........

Amigo, vamos ao Gerês?
(Não vou nem falar que vou tomar banho no rio).
O céu amanhã vai estar nublado. Eu ia observar o céu.

Dá certo, já que tu não vais observar o céu!
Vai estar muito frio.
Amigo eu vou tomar banho nas termas.
Tu vai tomar banho, Ruth?
Vou sim a água é bem quentinha. Dizem que até ajuda na saúde.
Pronto Ruth, tu vai e tu me diz o que melhorou na tua saúde, para mim fazer um estudo.
Não seria melhor tu observar a reacção do teu próprio corpo, amigo?
Eu acho que não Ruth. Ruth vamos mudar de assunto!

Você é que sabe, amigo, eu amo o Gerês.
Eu também mas prefiro no verão, pois observo o céu melhor.
Eu gosto do Gerês de Inverno, fica mais misterioso.
E tu gosta de ter medo?
Gosto um pouco amigo, só não gosto quando eles vêm recolher o lixo que tenho medo deles descobrir a nossa casa.
Eles não vão descobrir não, Ruth.
Espero que não.

Ruth tu cavou a nossa casa sozinha?
No início foi, mas depois apareceu um casal de tatu que me ajudaram.
O que é tatu, Ruth?
É um animal que morra debaixo da terra
Igual a nós. E cadê eles?
Morreram bem velhinhos, eles vieram do Brasil até aqui, mas me ajudaram muito, eles aprenderam a falar e tudo.
Foi, Ruth?
Sim, eles adoravam comer batata, ficavam esperando o povo jogar batata para eles comerem.
Ah por isso que tu gosta de batata com bacalhau.
Verdade, amigo.


domingo, 27 de agosto de 2023

CAFÉ COM LETRAS - O AMIGO E A RUTH PIANISTA III

  

O AMIGO E A RUTH PIANISTA - III

(Janiel Martins, RN/Brasil)

Ruth eu queria ser um boi.
Porquê, amigo?
Os bois quanto mais gordos, mais bonitos. É igual a tu.
Eu não sou uma vaca, amigo. Sou gente.
Os humanos são ruins. Uma pequena minoria controla tudo, e os mansos vivem na sua mansidão, acreditando (por vezes) que o amanhã será mais belo. O belo é hoje, é este momento, é este prazer de estar aqui, aqui mesmo. Mas não, as pessoas acreditam que amanhã será melhor, mas como será melhor, se hoje está ruim? Amanhã será pior ainda. Amanhã tu poderás estar doente, da fome que sentiste hoje, da raiva que gastou tanta energia do teu corpo, que nunca mais será recompensada. Amanhã estaremos mortos, pois o tempo, a vida não é amanhã, a vida é o agora.
O nosso corpo Ruth, é a lapidação do tempo.

É como o universo. Era vazio e de tão frio que ficou, causou um explosão. Aí, nessa explosão nasceu o fogo e do fogo vieram as cinzas. Dai por diante deu inicio a vida material.

Amigo tu pensa muito.
O meu pensar, Ruth, é viver, o nosso corpo morre muito cedo, e o nosso pensamento quer viver.
Viver é o quê, amigo?
Viver é viver a cor do céu, a distância das estrelas, para quê lançar um foguete que irá percorrer o universo, se não temos tempo de viver as belezas da terra? 
E ainda nos escravizamos uns aos outros, com a nossa ignorância. O esclavagismo só diminui a evolução do homem. As pessoas nascem com vontade de viver. Quando descobrimos a sociedade chamamos a morte. São os mal amamentados que estão destruindo a vida, para construir uma imagem singular. 
Os animais são brutos e eu acredito que têm medo da morte. Fazem de tudo para sobreviverem. Os humanos são brutos porque têm medo da vida. 
A vida é o singular.
Amigo o meu corpo está tão cansado.
Ruth, se eu conseguisse fazer um corpo para tu, tu queria?
Amigo, queria sim, já que uma hora ou outra o corpo já não vai ter energia o suficiente para aguentar eu.
Pois eu vou estudar esta composição, está bem?

domingo, 20 de agosto de 2023

CAFÉ COM LETRAS - O AMIGO E A RUTH PIANISTA II

 

O AMIGO E A RUTH PIANISTA - II

(Janiel Martins, RN/Brasil)

E porque nós não moramos numa casa igual à do homem do Caminha?
Eu morava numa casa, ganhei de minha madrinha.

Os vizinhos não gostavam que eu tocasse no piano que ganhei. Aí, os meus pais decidiram jogar o piano no lixo ou, então, seria expulso do prédio. Aí jogou o meu piano no meio da rua.
E tu deixou?
Eu estava na escola e quando estava voltando vi que era o meu piano. Antes que levasse para bem longe, coloquei dentro do contentor e entrei.

E teus pais não procuram tu, não?
Não sei, só saí depois de 20 anos.
E porque eu estou com tu?
Tu não quer estar com eu não, amigo?
Quero sim, só quero saber como eu vim morar com tu!

Um dia na boquinha da noite, eu escutei tu chorando com fome e frio, aí saí e peguei tu. Dei-te de comer e tu danado, nada de querer dormir, aí foi quando eu comecei, novamente, a tocar piano.
E porque tu não tocava?
Eu queria cavar a minha casa o mais distante possível dos humanos, mais tu apareceu e como és danado, não paravas um minuto quieto, tive que tocar.
E eu o que fiz?
Ficaste parado, tentado descobrir o que era, cansaste o teu pensamento e adormeceste.

Ruth vamos dar uma volta?
Vamos sim, amigo.
Ruth o que é o sol?
O sol é o que nos dá a vida, nós nascemos por causa da luz do sol, só que o sol um dia vai morrer e vai acabar com a vida na Terra.
É!? eu não quero morrer não, Ruth.
Pois é , amigo, ninguém quer morrer, por isso que os animais são brutos, eles fazem de tudo para sobreviverem. E os humanos querem a distância, mas a distância não é tudo, pois na distância nós nos perdemos. Os homens querem ir atrás da vida eterna, e esquecem que vivemos muito menos de um século. Temos que voltar para trás, começar tudo de novo, e tentarmos viver mais.

Ruth, eu vou matar o sol.
Porquê amigo?
Ele vai acabar com a vida na terra. Mas antes disso eu vou construir um sol, que vai matar o sol, assim como os tubarões fazem para a sua sobrevivência.
E como tu vais construir um sol?
Eu vou construir na lua e vou proteger a lua e a terra de qualquer coisa que venha na direção delas.

Eu também não quero morrer, amigo.
Nem eu, Ruth, mas como tu já tem muitos anos, Ruth, se tu morrer, tu fica-me esperando na lua.
E se tu não morrer, amigo? Eu vou ficar a eternidade, esperando tu na lua?
É mesmo, Ruth, pode ir para onde tu quiseres, que depois nós podemos nos encontrar noutro canto. Só não vá para perto das estrelas, enquanto tu não me ver de novo.
Porquê, amigo?

Eu já falei. Quando nos cansarmos de viver no universo, é só direcionar o pensamento para uma estrela que seremos transformado noutra coisa.
Em cinzas, amigo?
Eu acho que não, porque não dá tempo de transformar em cinzas, as estrelas são muito quente, deve ser em vapor.

Vou tomar um banho, para dormir mais maneira. Tu quer tomar uma banho também?
Eu acho que não, depois eu vejo.

domingo, 13 de agosto de 2023

CAFÉ COM LETRAS - O AMIGO E A RUTH PIANISTA I


O AMIGO E A RUTH PIANISTA - I

(Janiel Martins, RN/Brasil)

Ruth Pianista, sai de perto desse largo.
Porquê amigo?
Ruth Pianista, eu vi na televisão que os tubarões comem-se uns aos outros.

E fiquei com medo de chegar perto da água.
Possa ser que alguém tenha colocado algum tubarão e ele querer comer nós.
É verdade amigo, mas não tenha medo os tubarões não são maus, eles são brutos.
Maus são os seres humanos
Eu fiquei triste, pensava que só as formigas é que eram meio ruins.
Os tubarões também são.
Eu antes tinha visto que as formigas quando estão ficando muito velhas, vão procurar outro formigueiro e matam as adultas, para roubarem os ovos e, depois, para escravizaram as que vão nascer.
Os animais são são ruins. 
É instinto de sobrevivência , amigo.
Nós, seres humanos, é que somos mais capazes de manipular as coisas do que os animais.
É Ruth Pianista!?
É sim. 
Por exemplo amigo, imagina quanto medo de morrer tem um animal!

Amigo, vamos para a Serra da Cabreira acampar? 
Parece que vai nevar neste fim de semana!
Vou não, Ruth.
Porquê, amigo?
Antes de nevar vai chover.
Vamos deixar para depois de nevar, Ruth?
É amigo.

Deixa eu fazer uma perguntar a tu?
Claro amigo!
Como tu nasceu, e eu?
Tu sois o quê, amigo?
Uma pessoa, certo?
Isto meu são duas pernas, e tu também tem.
Só que tu tem um negocio diferente de mim.
É Ruth.
É sim, tu tem um pedaço de carne que cresceu a mais, e eu tenho um corte.
Está bom.


domingo, 9 de julho de 2023

CAFÉ COM LETRAS - PORTO SANTO II


PORTO SANTO II

(Janiel Martins, RN/Brasil)


O Porto Santo...

... é belo e tão delicado

Tão delicado...

... como a fumaça...

... do pensamento 

Aqui...

... não tem demónios

Só tem leveza 


De irmãos... 

... trouxe...

... uma fragância

E o Porto Santo expulsou...

... os demónios


O Porto Santo...

... é um belo útero

 

domingo, 25 de junho de 2023

CAFÉ COM LETRAS - PORTO SANTO


PORTO SANTO

(Janiel Martins, RN/Brasil)

 

O Porto é Santo

Não deixa os demónios te dominarem 

 

O Porto é Santo

É o filho que os pais fazem questão

De falar para os amigos

O meu filho é diferente

 

O Porto é Santo

Tem delicadeza peculiar do restante Portugal

Como se poesia 

Florbela Espanca

 

 

domingo, 11 de junho de 2023

CAFÉ COM LETRAS - SALTO


SALTO

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Reconheça

Que é dopamina

Corpo

 

É uma infecção

De infantilidade

 

Reconheça

Que é apenas

Uma infecção

De piedade

Infantil

 

Não tenho defesas

As infecções

Só antibióticos

 

domingo, 28 de maio de 2023

CAFÉ COM LETRAS - MERGULHANDO NO VÁCUO


MERGULHANDO NO VÁCUO

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Mergulhei num abismo onde o medo não existe.

Só sinto o sangue escorrendo no pobre coração que um dia faltará.

Fico triste.

Estás falando só, doida?

Estou pensado.

A vida é a resistência de viver e não podemos parar.

Viver o quê, doida? 

O tempo é uma solidão.

As cobras são engraçadas. Só dormem e caçam.  

Acho que vou ser uma como uma cobra.

O que as cobras pensaram para evoluir e chegar a este corpo, Francivaldo?

É mesmo! Devem ter pensado a vida é uma foda. 

Lá vens tu com as fodas, Francivaldo!

Assim disse Jesus Cristo. Dai de comer e de beber, a quem tem fome e a quem tenha sede. 

A fome não é só de pão, doida, a forme também é da carne.

Faz sentido, Francivaldo.

Olha doida, o pé do menino que Deus esqueceu aqui fora.

Vixe... que pé bonito.

Deixa eu colocar ele dentro de tu, pra nós trazer outra vida?

Larga com isto, Francivaldo.

domingo, 14 de maio de 2023

CAFÉ COM LETRAS - BURACO DE PAREDE IV

 

BURACO DE PAREDE IV

(Janiel Martins, RN/Brasil)


... Quatro dias depois

Minha mãe, eu vim pegar minhas roupa.
Vá logo minha filha, que o seu pai é muito ignorante, se ele chegar aqui vai falar besteira.          

E essa cara labida veio aqui fazer o quê?, Não está bom na casa do seu macho?

Fale assim com a menina, não.
Você também quer ir embora? Vá com ela.
Deixe de ser bruto homem, nem os animais são assim...resmunga, resmunga com tu mesmo.

Vá minha filha.

Um dia eu volto para visitar a senhora e meu pai.
Volte quando a poeira baixar minha filha, e nunca deixe os outros pisar em você.
O caminho não volta para nós.

(A separação para o ser humano é bruta. O ser humano não foi preparado para a separação.)

Terezinha eu vou para São Paulo
Vá não, Josivaldo, São Paulo é muito longe, eu vou ficar com saudades de tu, assim como aquela estrela tem das outras amigas delas. As estrelas, pelo menos, elas avistam umas às outras e se tu for eu nem vou ver tu.
Eu vou porque eu quero uma vida melhor para nós.
O meu coração murcha, quando tu fala que vai embora. Dá um frio dentro do meu peito e o meu peito só tem um namorado.
E tu tem outro namorado, Terezinha?
O namorado do nosso peito é o nosso coração, ninguém entra dentro do nosso corpo. O namorado do corpo é o nosso espelho, é a sua proteção. Dentro de nós não precisamos de companhia, Só da nossa natureza, imagina só a tristeza de uma estrela.

Dizem que Dalva não é uma estrela, é um planeta.
Cada estrela tem um bocado de filho, e Dalva é iluminada pelo nossa estrela que chamamos de Sol, e as estrelas para não viverem só, têm os planetas que vivem os arrodeando.
E a lua é o quê?
A lâmpada da terra.
É Terezinha?
Não sei não, só sei que a minha imaginação pensa assim, e como nós não podemos ficar com muita coisa no miolo da cabeça, eu acredito na minha imaginação.

Dizem que é bom plantar quando a lua está nova, que joga toda a força para a terra e deita a galinha para nascer na força da lua, para os ovos quebrar melhor.
Eu fico com o meu juízo tremendo quando a lua está cheia.
É Terezinha?
É sim, tenho um sentimento de inveja, com tristeza de não o conhecer o mundo, quando a lua está grandona.



Serra das Tapuias, 2002

(O silêncio permaneceu durante todo o dia, a lua nasceu bem cedinho, ninguém comeu, o barulho do carro de Dede, veio como o chorro)


Olha...
(a sacolinha com os teus documentos, não foi falado, a mão foi estendida)

Fechei a cabeça, sem deixar sair lagrimas, fechei, deitei sem mesmo ter forças para fechar a porta. Não tive medo, pois naquela noite já não existia sentimentos, acordei com um frio no peito que não era aquecido com café. Tinha perdido os sentimentos todos. Fiquei como uma estrela, solitária. Preferi ficar na cama mais um dia e uma noite. A morte doera menos. Hoje eu sou a estrela Dalva.


domingo, 7 de maio de 2023

CAFÉ COM LETRAS - BURACO DE PAREDE III

 

BURACO DE PAREDE III

(Janiel Martins, RN/Brasil)

(Sertão, Serra da Tapuia 1999)

Eu vou entrar.
 Tu corres para dentro do armazém. Eu vou tomar um copo da água e dizer a papai que cheguei. Vou trazer um copo da água para tu.

Chegou meu filho?
Cheguei sim, meu pai.

Tome cuidado Josivaldo, nessa escuridão uma raposa louca pode te pegar.
Não se preocupe minha mãe, que eu não vou mais lá, em Terezinha, não.
Terminou o namoro, meu filho?
Não meu pai, em noite sem lua eu não vou mais não, faz medo, até as estrelas tavam longe.
Muito bem meu filho.

Terezinha tá aqui a tua água.
Ou água boa, é de onde?
Do tanque de Manoel Martins.
É bem docinha, essa água.
Nós bebe lá da cacimba de António Júnior, a água de lá é mais salobra.
Agora tu vai beber essa bem docinha.
É Josivaldo.
É sim, e esse noite vamos passar a noite acordados para amanhã quando papai e mamãe acordar pegar nós dormindo, juntos, para eles saberem que nós fizemos safadeza e vamos morar juntos, eu sou o teu homem e tu sois a minha mulher.

Manuel Grande, Manuel Grande...
O que foi, mulher!
Espia só a safadeza aqui dentro de casa.
Que safadeza, mulher?
espia com teu dois olhos
Deixa eles dormir, que deve está cansado.
Sei não.
O que que tem mulher, nós já matamos a nossa vontade, agora é a vez deles.
Sei não como são vocês, pai.
As crias tem que viver solto.
Vocês sabem fazer safadeza e depois largar as crias.

Acorda minha filha, já que está aqui vai ter que viver sobre o meu controle, se comporte se não eu puxo as rédeas e você Josivaldo vá pegar água.
Vou minha mãe, só se a senhora fazer uma promessa para mim.

Tu traz um rabo de saia para dentro de casa e quer que eu te obedeça?
É só um pedido, minha mãe.
Se os pai de Terezinha vierem buscar ela, não deixe eles levaram não.
Tu acha que eles vem pegar um moça que já fui bulida?
Tu promete, minha mãe?
Tá prometido, meu filho.


domingo, 30 de abril de 2023

CAFÉ COM LETRAS - BURACO DE PAREDE II

 

BURACO DE PAREDE II

(Janiel Martins, RN/Brasil)

Tu vai vir amanhã, Josivaldo?
Vou sim que amanhã não vai ter lua e eu vou carregar tu, pra modo nós ter a nossa vida.
Não sei se eu vou ter coragem, porque a porta faz muito barulho quando vai abrir.
Tu pula pela janela.
É mesmo, a janela não faz muito barulho, já a porta, o pai ia dar um pulo danado da cama.

Bora dormir, Terezinha, está na hora.
Já vou, meu pai.
Tchau Terezinha.
Um cheiro, Josivaldo.
Outro no cangote cangote e arrume as tua roupa. 

(O dia no Sertão passa acompanhado o sol. É longo. Nos dias que chove, não é um dia, é uma festa, no olhar de cada sertanejo.)

Mulher, o filho de Antonhe Grande é corajoso. 
Tá um escuro medonho e o cabra veio olhar a nossa filha. Eu coloquei o pinico debaixo da cama. Eu saio nem me pagando uma fortuna.

Escutou?
O quê, homem?

(Houve um abraço e adormeceram. O galo cantou. Um frio entrava na casa. A luz não acendia.)

Mulher, mulher.
O que foi, homem?
Tu botou gás na luz?
Não, porque está cheia.
Está entrando um vento forte!
Terezinha, Terezinha, tu deixou a porta aberta?
Deixa a menina dormir, José.
Vamos fechar a porta.
Segura a luz, mulher.
É a janela
Tais pensando o que eu estou pensando mulher?
Será que o danado carregou a nossa filha?


(A rede de Terezinha estava vazia. Um vazio junto de culpa e felicidade encheu a casa com sentimento desconhecido.)

Aquela danada não entra mais aqui.
Não fale isso, homem.
Desonrou antes de conhecer o cabra direito.

(Deitaram na cama, sem uma palavra a mais.)

Não tenho mais compromisso com Terezinha.
Ela é a nossa filha
Tua, minha mais não.

(Se eu continuasse a falar, o homem enlouquecia.)


domingo, 23 de abril de 2023

CAFÉ COM LETRAS - BURACO DE PAREDE I



BURACO DE PAREDE I
(Janiel Martins, RN/Brasil)

Espia só como ele é vistoso.
Vá para janela, menina.
Vou, minha mãe?
Vá enquanto seu pai não chega.
Vai dar cabimento para ele.
O que é que eu faço, minha mãe?
Dê um sorriso bem bonito para o moço, minina.
O moço está olhando para tu.
Ele gostou de tu, Terezinha.
Foi, minha mãe?
Foi sim. 
Ele quase torceu o pescoço para ficar olhando para tu.
Mas o danado do jumento desebechou.
Quando ele passar aqui, de novo, tu corre para janela, Terezinha.

Meu pai, vou pegar água com Zefa.
Cuidado, minina.

Porque tu olha para mim todo dia quando eu passo na tua casa, Terezinha?
Eu queria namorar com tu.
Eu quero.
Para isso, tu tem que pedi ao meu pai.
Teu pai?
Sim.
Vixe, ele parece bicho bruto.
Mas fazer o quê? 
Qualquer dia desses quando der coragem eu vou lá na tua casa, pedir tu em namoro.
Tu vai  mesmo?
Claro que vou, Terezinha.
Diga nada pra pai não, Zefinha, Ouviu? Senão eu não trago tu para pegar água.

(É meio dia no Sertão. O sol dá bem no meio do miolo da cabeça. Todos repousam.)

Oh de casa...oh de casa!
Oh de fora!
Aff ainda bem que responderam.
É Josivaldo, o filho de Antonhe Grande.
O que quer?
(Se eu pedir um copo da água, vou parecer um cabra frouxo, se for direto ao assunto o cabra pode me engolir).
Que calor é esse? 
Oh ano ruim de chuva.
Entra, meu filho.
E o senhor plantou muito esse ano?
Plantei um saco de feijão, mais dez kilo para tirar a semente, um tambó de milho, mais vinte quilo para tirar semente e cinquenta quilo de fava.
Trabalha bem, seu Florenço!
Nada, metade é para as lagartas e o restante é para nós comermos.
O ano passado tivemos que sair de dentro de casa para guardar a safra.
Teu pai plantou bem?
Plantou um pouco menos, mais plantamos um bocado bom, a família é menor.
Cada dia a chuva fica mais difícil, no nosso Sertão.
La em casa, nós plantamos um pé de feijão, as lagartas come tudo, parece que fica esperando para comer.
É esses anos de seca, só para as lagartas.
Coloca um café para o menino, Francinete.
Francinete?
Tou aqui.
Traga um café.
Oh cabra bom é esse.
Aqui as lagarta também faz o mesmo.

Seu José, eu queria falar um negócio para o Senhor, sem tirar o seu respeito.
Fale cabra.
Eu vim aqui pra mode, eu pedi a mão da tua menina maior em namoro.
Francinete e Terezinha venham aqui.
Tou aqui, pai.
Você deu cabimente para ele?
Não, meu pai.
E ele soltou cabimente para você, Terezinha?
Não.
Como você é um cabra respeitador, eu vou aceitar.
Agora é o seguinte, cabra, tá vendo esse buraco de parede?
É por aqui que vocês vão namorar, até vocês decidirem o que vão fazer.
Saiba que daqui, Terezinha só sai casada.
Está bem, Seu José, eu quero muito uma mulher para mim poder casar e ter a minha casinha e fazer o meu roçadinho.

(A noite no Sertão é silenciosa. Em noites sem lua o breu toma de conta do mundo. A lua é amiga do sertanejo.)

domingo, 16 de abril de 2023

CAFÉ COM LETRAS - SETE LABIRINTOS (OUTRA PARTE)


SETE LABIRINTOS (OUTRA PARTE)
(Janiel Martina, RN/Brasil)

Minha mãe vem aí um carro?
(O cheiro de gasóleo queimado era muito peculiar no Sertão)
É mesmo um carro e vem perto. 
Vamos fechar as portas.
Deixa eu ver quem é, minha mãe.
Não, e se for um bicho?
Bicho não dirige carro, minha mãe. 
Venha comigo, minha mãe.
Vamos espreitar por este buraquinho da parede.
Oh de casa, onde é o castelo?
É só seguir em frente.
Esse menino pode nos levar no castelo?
Tu quer ir Francivaldo?
Quero sim, minha mãe.
 
Como é o teu nome, homem?
Gisraldo. E o teu? É Fancivaldo.
Vixe, como tua mulher é grandona, tu tem medo dela, não?
Nada, eu também sou grande
E tu tem namorada?
Ainda não, meu pai falou que eu sou pequeno para isso.
 
Esta é a princesa que eu tirei das maletas da serra de São Pedro. 
E tu teve coragem?
Tive sim.
E como o teu nome, princesa?
Walkira.
Tu vivia dentro da maleta?
Era sim, Francivaldo.

Tu sois grandona.
E ele é o teu príncipe?
Sim.
Tu vai morar no castelo, princesa?
Vou sim e tu quer morar connosco?
Só se minha mãe deixar.

domingo, 9 de abril de 2023

CAFÉ COM LETRAS - SETE LABIRINTOS (UMA PARTE)


SETE LABIRINTOS (UMA PARTE)
(Janiel Martina, RN/Brasil)

Qual é o teu sonho?
O meu sonho é voar de avião.
O teu sonho vai ser realizado.
Não, primeiro deixa eu chamar a minha mãe e o meu pai, porque eu tenho medo, princesa.

Um dia eu estava brincando e um monte passou bem baixinho.
Aí eu pensei que o mundo estava desabando.
A minha mãe falou que era um avião e que não fazia medo.
Mas eu tive muito medo.
Tu vai levar eu para fazer medo aos outros?
Vou sim, Francivaldo.

Na janela de um ónibus, a voz descia do cérebro, passava direto para o coração e o coração falava: uau.
Vi gente em cima de prédios e pensei que eram brinquedos.
Segurei firme nos braços do meu pai e entortei a cabeça. 
Meu pai, o que é aquilo?
É um prédio.
Nem me questionei, só admirei.

No avião, senti-me uma gotinha e o avião uma gotona.
Tais pronto pra fazer medo aos outros?
Estou sim, princesa.
Uau como tem muitos botões... 
Tais contente, Francivaldo?
Estou sim.
O medo saiu do meu corpo.
Como assim?
O frio atravessou-o e levou o medo.


domingo, 2 de abril de 2023

CAFÉ COM LETRAS - CAVALARIÇAS DO MOSTEIRO DE TIBÃES, BRAGA: SEMINÁRIO III



DEPRESSÃO NA INFÂNCIA, NA LATÊNCIA, NA PUBERDADE E NA ADOLESCÊNCIA

CAVALARIÇAS DO MOSTEIRO DE TIBÃES

BRAGA / PORTUGAL

31 de Março de 2023

SEMINÁRIO III


A ABERTURA

PAINEL I – DEPRESSÃO: FAMÍLIA E ESCOLA (eventualidades preventivas)





PAINEL II – DEPRESSÃO: CLÍNICA E TERAPÊUTICAS


PAINEL III – DEPRESSÃO: ETIOPATOGENIAS E EPIDEMIOLOGIA



                                                                   PARTICIPAÇÃO



domingo, 26 de março de 2023

CAFÉ COM LETRAS - DONA FLOR


DONA FLOR

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Tu és bela

Dormes na noite

Vieste

Com todo esse charme 

Só para viveres

Um dia


Flor, flor…

Tais falando só, doida?

Não, estava a cantar e invocado.

Há umas flores, que só vivem um dia, e vem com um charme tão bonito... e vive só uma dia.

Elas devem morrer tristes por só viveram um dia.


E eu aqui lamentando.

Elas pensam, doida?

Que resposta fácil: claro que sim o difícil é continuar a viver.

Eu queria ser eterno, mas não estou aqui triste porque vou morrer.

Tu tens medo, tróce?

Não, mas carrego a certeza da morte, que me faz dor, bem no centro do meu coração.

Seremos eternos, o pó sim, o sentimento só compreende que está vendo o mundo.

É por isso que compreendo que as plantas pensam.

De qual maneira, doida? Elas não têm juízo, olhos, orelhas.


O mundo era um vazio, nele não existia nada, como a nossa alma fria.

Pegámos fogo.

Formou a matéria: as estrelas, os planetas, e neles nasceram vidas.

Para quê? 

Para ver o mundo.

À nossa casa tornaremos e não teremos medo da escuridão.

A escuridão é a nossa alma.

A nossa casa ficará.


domingo, 19 de março de 2023

CAFÉ COM LETRAS - DOMINGO


DOMINGO

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Que dia este

Frio


Sinto a alma

Fria


Dá arrepio

De tristeza


(Albert Einstein

Falou que somos energia

Li num jornal)

 

O sétimo dia é esgotante

Máximo de energia

Que o nosso corpo reproduz


Já que somos um corpo

Venha tomar um solzinho


Tu já estás com essa energia toda?