quarta-feira, 21 de setembro de 2016

CAFÉ COM LETRAS - COISAS ESCRITAS

########   ########   ########

Luiz Pacheco. Fonte da imagem: internet.
Em: O CROCODILO QUE VOA
(Entrevista a Luiz Pacheco, Portugal)

Entrevistador:
O Truman Capote disse: "Sou um alcoólico, sou um drogado, sou um homossexual, 
sou um génio."  Aplica-se a si?

Luiz Pacheco:
Acho que o génio está muito fora do sítio. 
Isto não é modéstia, que seria vaidade neste caso, não é?
Mas é preciso ver que a minha obra é curta, este livro está assim
porque está cheio de textos que não são meus.
Acho que é melhor escrever pouco do que escrever por avença.

(Excerto da entrevista)

########   ########   ########


Paulo Passos

PARA-DEUSES
(Paulo Passos, Portugal)

Mais um tísico escarro para o rol 
dos maus tratos à igualdade.
Porquê e para quê, PARA-OLIMPÍADAS?
Para demonstrar aos consagrados perfeitinhos que o são?
Para aumentar o tesão nas gloriosas vitórias?
Para que cada medalha seja um invejável duradouro orgasmo?

Ou, tão camufladamente só, para evidenciar
a menoridade e a moralidade, balizadas socialmente,
de quem tem que assumir a tatuagem de algum tipo
de handicap Físico e/ou Sensorial (e não sei, se Mental)?
Enaltecendo, em alívio, quem não os tem!

Alternativas?
As únicas. As justas e de IGUAL.
O empate com a igualdade.

Numa mesma modalidade desportiva olímpica
competem mulheres e homens?
O pequeno do tiro, faz salto em altura?
A moça das cambalhotas, nada mariposa?
O rapaz das corridas, lança martelo?
A criatura das argolas, esgrima?
Os que andam aos rebolões (diz-se "luta")
uns com os outros, são maratonistas?

Claro que NÃO ...!!!
Nos Jogos Olímpicos, a moça das cambalhotas apenas compete 
com outras moças das cambalhotas.
E o pequeno dos discos (os discóbolos, entenda-se!) só compete, e muito bem,
com outros pequenos dos discos. Não vai competir com as pequenas.

Assim ... e sem querer atrapalhar ... porque não
compete o moço que desvia o olho, ou a moça cadeirante, 
com outros de igual, na mesma modalidade e nas mesmas Olimpíadas?

Tem que ser nas Para-Olimpíadas ... NÃO É?
Segregação travestida de quê?
Entra, no Olimpódromo, o bloco das purezas.
 E depois, no PARA-OLIMPÓDROMO, entra o bloco das impurezas.
Futebolistas com danças de salão.

Alternativas?
As únicas. As justas e de IGUAL.
O empate com a igualdade.

Fasquias em concordância com os contextos.
Tempos conjugados com os desempenhos.
Géneros e feitios de corpo consonantes.
Modalidades adaptadas.
Por igual em campo. 

Homens adversariando Homens.
Mulheres adversariando Mulheres.
Gente adversariando Gente.
Deuses adversariando Deuses.
No Olimpódromo.
Não em Terreiro Para-Olimpódromo ou Para-Deusódromo.

Nas máximas competências e desempenhos.
No Olimpo que é de todos os de honra.
Como igualdade incutida nos postulados olímpicos.
Jogam, participada e competitivamente, na igualdade.
No tempo e no mesmo Olímpico ringue.

Ringue Para-Olímpico é ringue menor.
Menor e entrevadamente desigual.
Preconceituosamente discriminatório.
Lucrativamente inferior.
Contudo, existindo, mascara a desigualdade,
finge a igualdade, camufla a discriminação.
E o sorridente POVO em comoção ...!!!

Alternativas?
As únicas. As justas e de IGUAL.
O empate com a igualdade.

Mas, em razão mundanamente empresarial ... o que interessa isso? 
O que importa são os intentos ávidos lucros!
Aquilo que todos dizem ser MUITO feio falar-se,
mas esgadanham-se todos e todas por ele ...
... o DINHEIRO, o DINHEIRO, o DINHEIRO ...!!!

Ou será que o (conveniente) DEFEITO não pode estar a par
da construída perfeição e idealização dos Deuses do Olimpo?
Ah ... se calhar não existem Deuses menores!!! É isso!!! Não existem!!!
Se existissem ... seriam os Para-Deuses.
Onde algum enxergaria mal, outro atiraria a bola com a boca e outro mancaria à esquerda.

Vá lá! ... Já não é mau de todo ... nas Olimpíadas,
não estarem apenas os Deuses Homens Heteros Caucasianos...!!!

########   ########   ########

Frederico Lourenço. Fonte da imagem: internet.

O GAY DISCRETO
(Frederico Lourenço, Portugal)

O gay discreto é tão discreto que nem a própria mulher, de quem teve quatro filhos, 
alguma vez lhe descobriu a sexualidade.
Frequenta as áreas de serviço, os centros comerciais e as dunas onde os gays casados
costumam engatar; de vez em quando, de óculos escuros e de chapéu 
enfiado pela cabeça abaixo, lá se atreve a entrar numa sauna, onde sabe que terá "saída"
garantida, pois nada é tão afrodisíaco para certo tipo de frequentador 
do que a vista de uma aliança de casamento.
O seu terror são as idas ao fim-de-semana com toda a família ao Colombo 
(ao NorteShopping, ao Fórum Algarve): será que vai encontrar um parceiro
ocasional que o reconhece? Que lhe vai falar? Que o vai chantagear?
Já teve de mudar de número de telemóvel duas vezes 
por causa de situações desagradáveis afins.
O gay discreto é tão discreto que até conseguiu não divulgar
a si próprio que é homossexual. 

########   ########   ########

Paulo Augusto. Fonte da imagem: internet.

 AVANT-PREMIÈRE
(Paulo Augusto, RN / Brasil)

Não foi medo que senti 
quando você imenso 
– era a primeira vez – 
me rasgou a blusa 
inebriado e tonto. 
Eu era virgem 
como todo mundo um dia foi 
mas isto não vem ao caso.
Fardos pesados, 
no canto do muro, tu e eu. 
Vislumbrei à luz murcha da tarde 
tua fortaleza pontiaguda 
e me recordo: meu coração recuou. 
Mas juntei minhas forças todas 
e num relance lembrei-me 
que mamãe sempre dizia:

– Homem é para-mulher, 
e mulher é para-homem.

########   ########   ########

Cazuza. Fonte da imagem: internet.

BURGUESIA
(Cazuza, RJ / Brasil)

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

A burguesia não tem charme nem é discreta
Com suas perucas de cabelos de boneca
A burguesia quer ser sócia do Country
A burguesia quer ir a New York fazer compras

Pobre de mim que vim do seio da burguesia
Sou rico mas não sou mesquinho
Eu também cheiro mal
Eu também cheiro mal

A burguesia tá acabando com a Barra
Afunda barcos cheios de crianças
E dormem tranquilos
E dormem tranquilos

Os guardanapos estão sempre limpos
As empregadas, uniformizadas
São caboclos querendo ser ingleses
São caboclos querendo ser ingleses

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

A burguesia não repara na dor
Da vendedora de chicletes
A burguesia só olha pra si
A burguesia só olha pra si
A burguesia é a direita, é a guerra

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

As pessoas vão ver que estão sendo roubadas
Vai haver uma revolução
Ao contrário da de 64
O Brasil é medroso
Vamos pegar o dinheiro roubado da burguesia
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Pra rua, pra rua

Vamos acabar com a burguesia
Vamos dinamitar a burguesia
Vamos pôr a burguesia na cadeia
Numa fazenda de trabalhos forçados
Eu sou burguês, mas eu sou artista
Estou do lado do povo, do povo

A burguesia fede - fede, fede, fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

Porcos num chiqueiro
São mais dignos que um burguês
Mas também existe o bom burguês
Que vive do seu trabalho honestamente
Mas este quer construir um país
E não abandoná-lo com uma pasta de dólares
O bom burguês é como o operário
É o médico que cobra menos pra quem não tem
E se interessa por seu povo
Em seres humanos vivendo como bichos
Tentando te enforcar na janela do carro
No sinal, no sinal
No sinal, no sinal

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

########   ########   ########

Janiel Martins

CARNALÍTICA
(Janiel Martins, RN / Brasil)

É de dois em dois anos
Nas ruas
Em todas
Até nos lugares esquecidos
Aparecem eternados
Aterrados
E até internados

Abusados

Prometem empregos e mundos
Sem terem pra dar
Promessas que ficam
Só para o antro
De patrocinadores

Na promessa
Todos vão sair
De casa
Com a fantasia
No corpo
E esfregada na alma

A lambada e o forró
São os ritmos preferidos
Acompanhados de um kit
Não um kit escolar
Mas o esperado 
kit pra alma
Uma cachaça
E um refrigerante

Nas ruas o povo
Segue
O idolatrado num ritmo
De crianças de colo
De pescoço
De adolescentes pré alcoolizados
De mulheres de olhares pardos
Homens mistícios

A terceira idade adiante
Segurando a pipoca
O pai alcoolizado
Puxa das mãos da criança
As últimas dessas
Para tomar a sua 
Enganosa pingapolítica
Passando pelos homens
Até o saco
Ser jogado na rua
Sem gari

No palco principal
Só olhares
Morto
Não paga promessas
Nem realiza
Até os próximos
Ressuscitados.

 ########   ########   ########


Janiel Martins

domingo, 18 de setembro de 2016

SUSTENTO DA ALMA - AMBIENTE AMORDAÇADO



O AMBIENTE não é de quem o pode pagar.

O AMBIENTE não é do dinheiro.

Nem é um brinquedo de criancinhas na faixa etária dos 18 aos 128 anos.

Também não é um capricho doméstico ... nem serve para alimentar idiossincrasias.

Não é, igualmente, um discurso de subjectivas birrinhas ou de obscuras intenções. 

Além de não estar à venda .... não quer ter dono ... e muito menos donos insanos.


AMBIENTE é dono de si ... não tem donos ... ouviram, gentalha impensante?

AMBIENTE é um protegido da sã política SEM políticos.

AMBIENTE é uma questão de gente ...!!!

Gente completa, gente com palavra ... a da HONRA ... a do RESPEITO.


Não ouçamos os opacos (ou mesmo translúcidos) administradores,
 economistas, juristas / advogados / juízes, legisladores,
constitucionalistas, banca e banqueiros, imperialistas, manipuladores, capitalistas, 
sugadores empresaristas, rapaziada das seguradoras ...

Fonte da imagem: google
Paralisemos, de vez, os ("never trust a pretty face", cantado por Amanda Lear) políticos, donas de casa e chefes de família obedientes acríticos à puritana causa petrificada da Ordem Social das Coisas, eclesiásticos, carreiristas partidários, jotinhas e eternos jotinhas, folgados das chefias e dos patronatos, fim-de-semanistas (com início às 5ª feiras e término às 3ª feiras) e adeptos do reunismo (modalidade para-desportiva, que se caracteriza pela constante participação em REUNIÕES, para justificar o NÃO FAZER NADA), galhistas (o gajedo que salta de galho em galho, sempre à espera de uma migalhita perdida, com o mendigo e manso sorriso nas beiçolas), abusadinhos e outras criaturas (mal paridas) similares
 que a praça já identifica categoricamente.

Escultura de Jens Galschiot. Fonte da imagem: google
Não ouçamos percas de tempo, mentiras, logros, enganos e conveniências discursivas.
Não ouçamos as desigualdades e preconceituosas ideias intestinais.

Pintura de Tarsila do Amaral (parte de): Fonte da imagem: google
OUÇAMOS GENTE (Gente Amarela, Gente Negra, Gente Vermelha, Gente Branca), ambientalistas, tribalistas, activistas, cientistas honestos e isentos (matemáticos, astrónomos, físicos, químicos, geólogos, biólogos, psicólogos, sociólogos, antropólogos, historiadores ...), soldados da TERRA, soldados da RAZÃO PURA, escultores e poetas da razão maior ... da grandiosidade do que é PURAMENTE (sem adornos e camuflagens) 
COMUNITÁRIO E AMBIENTAL.

Ouçamos um desses homens...


Ouçamos MARK LYNAS.

Ouçamos o que nos diz "SEIS GRAUS".


"Seis Graus" ... livro de Mark Lynas ... 

... assim anunciado e comentado ...


... em sinopse ...


Extermínio integral a todas as ofensas ambientais e a todos/as 
que as promovam ou que não as impeçam de acontecer.

Fonte da imagem: google
... la juste poésie ... POUR TOUS ...!!!

Em prol de um AMBIENTE livre, sem dono e sem medo.

Ambiente sem ameaça, sem mordaça e com 
MUITÃO de respeito ...

... respeito é bonito e AMBIENTE gosta ...!!!

============================================= 

Fonte das imagens não legendadas: Janiel Martins (fotografadas do livro figurado).

Janiel Martins



sexta-feira, 16 de setembro de 2016

SUSTENTO DA ALMA - IMPÉRIO DO REBANHISMO



Ancorados a arcaicos determinismos sociais, estamos impedidos de consciencializar e tornar o acto de vontade e de optar, em manifestos livres.

A deterioração e a cristalização da decadência e da dependência, na sua fiel submissão ao carneirismo, coadunam-se na consolidação do podre,
 da involução e da paralisia da criatividade.
É o império do rebanhismo ...!!!



A inconsciencialização das regras e valores que estão na subjacência e influência das matrizes de pensamento, são de tal forma ferradas que obstaculizam a decisão tanto do pensar como do agir, condicionando-os aos meandros e balizamento do que 
não se desregra em determinado grupo referencial e integrativo.



No Portal dos Psicólogos (www.psicologia.pt), no link abaixo debitado, está um texto em formato de narrativa romanceada, estando plasmadas, contudo e indubitavelmente, 
as justificativas do título desta matéria.



"Psicologia e Putrefacção Social" - título de mais um artigo digno de louvo e de obrigatoriedade de dever, do psicólogo Paulo Passos, já várias vezes citado neste blog.

http://www.psicologia.pt/artigos/ver_opiniao.php?psicologia-e-putrefaccao-social&codigo=AOP0399&area=



" PSICOLOGIA E PUTREFACÇÃO SOCIAL

Paulo Passos

            O quotidiano de Olívia e Toninho não trouxe novidades de maior a nenhum, após o casamento.
Toninho continuava a achar piada às reactivas de Olívia e às suas formas de apreciar. Continuava a rir da mulher e a rir com ela.
Olívia, não sentia necessidade de ter que sentir alguma coisa mais, só pelo facto de estar casada, pelo menos em casa.
Nisso ela era bastante prática, sabia escolher os ambientes para se exigir.
Viviam na casa de Olívia, oferecida como prenda de casamento, pelo pai, por sugestão da mãe Rosalina.
Para Toninho não tinha significado de maior. Tinham que morar nalgum sítio, pagando eles ou não.
Ficou resolvido.
Ficou resolvido mas com o cumprimento do acordado entre os agora, marido e mulher. Nada e muito menos a casa, seria escolhido ou tinha interferência de Rosalina.
Rosalina só podia oferecer coisas que fossem quebráveis! Riam.
Não se imaginava a viver num cenário de teatro de revista.

Tinha muitas mais certezas sobre o que não queria e não gostava do que o contrário.
Toninho era intransigente em poucas coisas. Era, literalmente intransigente, com a falta de senso.
Interrogava-se sempre, até com alguma agressividade, quando percebia que, sendo o senso-comum o esquema mais elementar do funcionamento humano, como era possível este falhar? Só se se deixasse de ser gente?
A falta de senso estava muito enraizada e impedia a autocrítica.
Impedindo a autocrítica impede-se a evolução.
Estagna-se.
Impedindo a evolução mantem-se o primarismo.
Estagna-se.
Toninho, nestes pensamentos chegava a ver meia dúzia de hominídeos de gravata e saltos altos, num quotidiano de satisfação e sem a menor qualificação e competência avaliativa.
Era visceral o asco que sentia, relativamente a certos manifestos, designados por culturais. Cultura não é nada disto! Reforçava-se.
Sentia vergonha acima das suas capacidades de controlo, quando se dava de frente com a televisão emitindo um desses programas que ele tanto temia.
A revista à portuguesa encimava a lista, logo seguida pelas touradas, bem como por tudo o que envolvesse animais ao serviço de patetices.
Sempre tinha lidado com animais, cresceu no meio deles e cresceu apreciando os constantes flagrantes de nobreza que deles advinham, sobretudo em tudo o que concerne à ternura. Apaixonava-os e entendia-os.
Não era um homem com orgulho patriota.
Pouco lhe dizia a selecção nacional de futebol ou outras. Os símbolos nacionais também não mexiam com ele. O orgulho nacional era um limite que lhe tendia para zero, nos bons dias!
O fado (ou enfado! Como por ele referido, quando se intentava na convicção) era mais uma desgraça que fazia congelar Toninho, só de imaginar que se podia cruzar com essa brejeira e pobre lamúria guitarrada em qualquer esquina. Na sua versão de gingão, o fado era um atropelo para Toninho. Dizia ele: “essa coisa, designada por fado gingão, arrasta em si um jogo de cintura e um tremer de cabeça, que se exibe apenas com plateia, seja real ou imaginada, nunca sendo um manifesto genuíno, mas tão só um ordinário manifesto camuflador das incertezas viris. A mulher masculiniza-se, quando o canta, tentando, infrutiferamente, substituir o amargo cinzento por um leque de cores que nunca por cá existiu”!
Era a rendição perante o pessimismo e o fatalismo dos perdedores.
Era a portugalite, era a infecção do país, travestida de lantejoulas abandonadas pelo brilho.
O queixume justificava a existência quando esta não existe! Era o queixume no seu formato de alimento. De tóxico alimento! Era o leite materno fora de prazo. Era a paralisação chorosa e sentida da fome, satisfeita por lágrimas. Era o sorriso da pequenez. Era o elogio da permissiva dor nacional.
Toninho criticava vivamente a falta de pensamento avaliativo, o parasitismo e a desqualificação.
A rapaziada das televisões; os formatos de linguagens; os sotaques; as novelas; os espectáculos; os actores e actrizes de curso intensivo (ou de nenhum, a adicionar ao vazio das aptidões e vocações para esse fim); os jurados e juradas de concursos; as pequenas e os pequenos (independentemente da idade e do aspecto) a repetirem exaustivamente números de telefone em mendiga alusão ao consumo; as clonagens dos cabelos; dos trajes; das poses e dos chavões; o desespero e o pânico de um eventual dia mais sem um momento de protagonismo; o ar para-descomprometido e para-descontraído de alguns, em que impõem corporalmente que, estar escarrapachado numa cadeira, qual espreguiçadeira, é sinal de profissionalismo. Enfim, tudo o que, deste pobre e insano calibre existisse, Toninho repelia.
Repelia também, todas as manifestações de solidariedade, exibidas pela comunidade televisiva. Acartar feridas individuais para público tirava Toninho do sério. O aparato criado pelos outros, só se justificava enquanto aguardassem a sua vez para o desvalido, mas apreciado, estrelato da dor.
 Misericórdia! Toninho sempre acreditou que o sofrimento não é para ser sofrido nas televisões. Se tem horário de emissão não é sofrimento.
É como haver listas de espera para parir.
Folgava em saber que havia muita gente que não queria, nem mortos, ir para a televisão sofrer.
Ria, mas com certa preocupação, pensando nos exemplos a repudiar.
Gostava de aconselhar, sempre que estava com amigos, para se ter cuidado com as vocações, para não se correr o risco de ser recrutado para uma televisão.
A desqualificação era, até ao tutano, intolerada por ele. E a desqualificação massiva, sendo a dominante e a que mais rapidamente se reproduz, destrói futuros, presentes e passados. Está a invadir tudo! É praga e de dimensões epidémicas!
Ficou adepto de quem ia viver para o estrangeiro. Sentia-se libertado com mais uma levada de gente a ir trabalhar para fora. Sentia que mais alguns estavam a ser poupados à exploração e à gatunagem. Sentia que eram mais alguns poupados à corrupção. Sabia que alguns iriam ter oportunidades de qualificação, não se deixando embrutecer pela trivialidade da cidadania em off.
Sabia que a realidade não era assim tão doce, mas sentia e sentia alívio.

Sempre se confraternizou com o elevado valor do altruísmo e do gregarismo.
Não se queria deixar adormecer pelos princípios acríticos desta gente e desta funcionalidade. Destes protagonistas, escapavam poucos. Muito poucos!
Chegou uma vez a perguntar, no hospital onde trabalhava, quem eram algumas das pessoas que tinham escrito alguns dos livros que se encontravam entre os mais vendidos, que via nas livrarias.
Tinha clara noção que esta classificação, a ser verdadeira, só podia ser um incentivo à compra. De outra forma não via sentido.
Sabia que os nomes estavam em português, mas não sabia quem eram os corpos desses nomes. Tudo se agravava, severa e irremediavelmente, quando a capa do livro era uma fotografia da pessoa que o tinha escrito. Nestes casos, pensava Toninho, o arrojo e a pouca vergonha ultrapassavam o egocêntrico narcisismo, na sua pior flagrância. Agravada pela indecência com que, descaradamente, faziam a difusão das responsabilidades, referindo que tal decisão tinha sido alheia à vontade do próprio ou da própria. Misericordiosa pobreza!
Não se pasmava com isto, era por mera informação, pois era sabedor que a leitura não sendo prática corrente por aqui, o número de exemplares vendidos não podia ir além do número de dedos de uma mão. Mais ou menos isso! Não era preocupante. Se as vendas forem muitas, há sempre a possibilidade de se desconfiar que foi o próprio autor a comprá-los. Faz sempre jeito, para os presentes de aniversários e de outras festividades.
Os outros, os de ler, nunca estão a concurso, continuava o pensamento. Sim, os livros de merecimento, pensava Toninho.
Ler, concluía como se o seu pensamento fosse audível, não é só saber identificar, decifrar e interpretar um palavreado escrito.
Ler não é apenas a aquisição de material informativo.
Ler é injectar sentimentos na informação decifrada.
Ler é crescer.
Ler também é interpretar-se, porque se interpretou. Interpretar e em gáudio.
Ler é sentir e sentir-se.
Ler encaminha o indivíduo a si próprio. Torna-o gente. Confronta-o e prepara-o para receber o outro.
Ler é altruísmo porque é pensar o outro.
Ler serve para despertar sentimentos e mover actualizações de pensamentos.
Ler serve para tornar infinitas as sensações.
Ler desmonta preconceitos e formas rígidas e passivas de sentir.
Ler é trabalho, é produção de gente.
Ler é renovação e é mudança.
Ler é um anti-estagnante e um desenferrujador na sua mais potente forma.
Ler é contrário à paralisante ordem social das coisas.
Ler move percepções.
Ler é lutar contra à mansidão e o conformismo, onde livro é a arma de guerra.
Ler, se para aí se está, ou se pode estar, virado, não é ler o manual de instruções da televisão nova.
Contudo, ninguém lê! Pensava franzindo a testa como que resignado! Como mudar? Questionava! Generalizando, ler os TOP(s) e os semelhantes familiares, não é ler! Só se fossem os TOP(s) de outro povo, rematava com uma ligeira ruborização. Ajustou-se, alastrando o mal para muito além dos TOP(s) e, esforçou-se, tirando um ou outro desse ranking livresco!
Quando não se lê, obviamente, só se pode gostar de televisão. Prioritariamente, mas não em exclusivo, dos apresentadores e apresentadoras dos programas de entretenimento (assim designados), em feroz competição para verem quem grita mais, quem gargalha mais desbocadamente, quem mais alto fala e quem mais e melhor cacareja e papagueia.
Isto, numa versão, sendo a outra, igualmente calibrada pela mesma qualificação, a que usa a alternância, traduzida por um ar piedoso da criatura que apresenta, alternado por uma satisfação sorridente e corpo saltitante, induzida por um jogo a dinheiro, que tanto pode ser ganho no estúdio como em casa assistindo sentado no sofá, com o telefone ao lado.
Em todo este povo há o hábito de não perderem uma oportunidade para falarem de si ou dos seus convincentes e experientes pontos de vista, transformados em contributos para a certeza (pela via de o “…eu por exemplo…”! Transformam-se, imediatamente, em modelos exemplares!).
Há também os programas, em que os prémios vão para quem mais sofre e tem a vida mais escavacada, desde que a exponha em público.
A desgraçada da mulher, que ainda agradece por estar na televisão a debitar todas as desvalias da sua vida, em escala pormenorizada, lavada em lágrimas (que também aconchega a cena), cheia de dívidas; os filhos humilhados na escola; o marido desempregado; o frigorífico vazio; o sogro cego a seu cuidado; as moléstias sem darem tréguas; os dentes todos cariados; água e electricidade cortadas; o senhorio diariamente à porta; ter que aturar as meninas da assistência social a vomitarem ameaças e moralismos (tão fácil de fazer com as mazelas dos outros!), fingindo que estão em franca protecção para com os menores,…, não é suficiente para fazer calar quem está a entrevistar! Decididamente que não! Além de ainda ter que ouvir um sábio conselho (invariavelmente na forma de “…mas é uma mulher forte e de coragem, que eu sei…aplausos aqui para a nossa Maria, por favor…”), ainda tem que participar na alusão à glorificação da miséria, do sofrimento, da sujeição e da pobreza, através das palmas.
Aplaudir a penúria dos outros.
Ganhar dinheiro à custa da miséria dos outros.
Os bons e aliviantes conselhos dados, acompanham-se de um fabricado ar de lamento, esgalhado pela moça ou moço do programa, mas logo esquecido pelo entusiasmo contrastante com que debitam, num sorriso patético, mais duas ou três vezes o número de telefone, já decorado pela plateia que também repete em coro e aplaude. Lasca Toninho!
Maldita fraqueza que impele o povo a tanto exercitar o terrífico, pobre, primário e egocêntrico narcisismo! Acrescentava, pedindo, um pouco que fosse, de bom senso! Desiludia-se sabendo que estava a pedir muito!
Lembrou-se que o rol não termina no pessoal do entretenimento. Há muito mais!
Aliviou-se, rindo-se da coincidência, quando pensava no povo que, na televisão, revistas e afins, comenta a vida dos outros, esmiuçadamente em todos os pormenores, à excepção da inteligência altruísta e da humildade que não têm, apesar de lhes serem feitas alusões.
A gravidade assume caracterizações dantescas quando se atrevem a publicar (o que chamam livro) os próprios mundos narcísicos, adornados com um parecer altruísta.
O problema também passa por existirem editoriais comparsas com a industrialização e comercialização do mau. Desde que dê lucro!
Isto é a quantificação do nada. Em valor real é a ode ao vazio. Continuava Toninho!
Um empate a esta gente toda, na maioria das vezes é o justo, arbitrava ele. 
Será que está justificada a imagem recorrente que tem, quando pensa nestas coisas? Lá lhe apareceu novamente a imagem de alguns hominídeos de gravata e de saltos altos! Apetrechados, agora, de um livro, nunca aberto, debaixo do braço.
Tinha sido uma construção de pensamento!

Na rua, a história era outra. Fora de casa, Olívia queria e gostava de ser casada.
A sua vida profissional dava-lhe liberdades de tempo para as futilidades de que gostava.
Sabia bem como tirar proveito disso.
Não perdia tempo, como o marido, preocupando-se. A vida dela era para ser vivida e por ela, dizia cantarolando.
Enquanto Toninho se embrenhava nas suas questões de cidadania, Olívia entretinha-se com as dela.
Andava ocupada com a escolha de roupa para o aniversário de uma conhecida, que ela designava por amiga.
Toninho raramente acompanhava a mulher nos programas dela.
Ela, em abono da verdade, apenas gostava de confirmar que era sabido que ela era casada com ele. Não fazia guerra por não aparecerem juntos. Até preferia assim.
Gostava de ser fotografada juntamente com o mulherio que funcionava como sua referência, para se ver e admirar numa revista qualquer especializada nos assuntos da sua valorização ou nos assuntos da nulidade, no dizer de Toninho.
Fazia sempre questão de dizer que era casada.
Olívia gostava, particularmente, dessas fotografias onde estão as moças todas de três quartos, mais ou menos encaixadas umas nas outras, com o habitual jeitinho de pé para o charme, desalinhadas por cima porque umas são mais compridas e outras mais rasteiras.
Sem ser através dos comprimentos e dos volumes, é difícil fazer-se a identificação, ria-se Toninho, quando Olívia chegava a casa já com a página da revista aberta, onde estava a fotografia com ela e as conhecidas.
Ela gostava de ler o seu nome na legenda da fotografia, junto com alguns nomes com que ela lambuzava o seu ego.
Riam-se, sem que ele desviasse os olhos do que estava a ler, quando ela lhe contava, sentada no braço do sofá onde ele estava, que fulana ou sicrana já há meia dúzia de anos que não passava dos 29 anos.
Para esse povo, o problema da idade era tão grande quanto o da solteirice, finalizava Toninho, dando o indicativo que já não queria ouvir mais.

Com o nascimento de Maria Teresa, Olívia ficou grata a tudo o que fosse santa e santo.
Toda a gravidez foi vivida, contrariamente ao que temia Toninho, com toda a normalidade.
Ele chegou a ouvir Olívia dizer, ao telefone, que gravidez não era doença.
Devia estar a conversar com outra mulher, daquelas que ela gostava de estar horas ao telefone para dizerem coisa nenhuma.
Só podia ser!
As outras, não querem ter registos destas existirem! "



Sê sempre o meu presente, Paulo.

Janiel

Fonte das imagens: Janiel Martins