quarta-feira, 21 de setembro de 2016

CAFÉ COM LETRAS - COISAS ESCRITAS

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Luiz Pacheco. Fonte da imagem: internet.
Em: O CROCODILO QUE VOA
(Entrevista a Luiz Pacheco, Portugal)

Entrevistador:
O Truman Capote disse: "Sou um alcoólico, sou um drogado, sou um homossexual, 
sou um génio."  Aplica-se a si?

Luiz Pacheco:
Acho que o génio está muito fora do sítio. 
Isto não é modéstia, que seria vaidade neste caso, não é?
Mas é preciso ver que a minha obra é curta, este livro está assim
porque está cheio de textos que não são meus.
Acho que é melhor escrever pouco do que escrever por avença.

(Excerto da entrevista)

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Paulo Passos

PARA-DEUSES
(Paulo Passos, Portugal)

Mais um tísico escarro para o rol 
dos maus tratos à igualdade.
Porquê e para quê, PARA-OLIMPÍADAS?
Para demonstrar aos consagrados perfeitinhos que o são?
Para aumentar o tesão nas gloriosas vitórias?
Para que cada medalha seja um invejável duradouro orgasmo?

Ou, tão camufladamente só, para evidenciar
a menoridade e a moralidade, balizadas socialmente,
de quem tem que assumir a tatuagem de algum tipo
de handicap Físico e/ou Sensorial (e não sei, se Mental)?
Enaltecendo, em alívio, quem não os tem!

Alternativas?
As únicas. As justas e de IGUAL.
O empate com a igualdade.

Numa mesma modalidade desportiva olímpica
competem mulheres e homens?
O pequeno do tiro, faz salto em altura?
A moça das cambalhotas, nada mariposa?
O rapaz das corridas, lança martelo?
A criatura das argolas, esgrima?
Os que andam aos rebolões (diz-se "luta")
uns com os outros, são maratonistas?

Claro que NÃO ...!!!
Nos Jogos Olímpicos, a moça das cambalhotas apenas compete 
com outras moças das cambalhotas.
E o pequeno dos discos (os discóbolos, entenda-se!) só compete, e muito bem,
com outros pequenos dos discos. Não vai competir com as pequenas.

Assim ... e sem querer atrapalhar ... porque não
compete o moço que desvia o olho, ou a moça cadeirante, 
com outros de igual, na mesma modalidade e nas mesmas Olimpíadas?

Tem que ser nas Para-Olimpíadas ... NÃO É?
Segregação travestida de quê?
Entra, no Olimpódromo, o bloco das purezas.
 E depois, no PARA-OLIMPÓDROMO, entra o bloco das impurezas.
Futebolistas com danças de salão.

Alternativas?
As únicas. As justas e de IGUAL.
O empate com a igualdade.

Fasquias em concordância com os contextos.
Tempos conjugados com os desempenhos.
Géneros e feitios de corpo consonantes.
Modalidades adaptadas.
Por igual em campo. 

Homens adversariando Homens.
Mulheres adversariando Mulheres.
Gente adversariando Gente.
Deuses adversariando Deuses.
No Olimpódromo.
Não em Terreiro Para-Olimpódromo ou Para-Deusódromo.

Nas máximas competências e desempenhos.
No Olimpo que é de todos os de honra.
Como igualdade incutida nos postulados olímpicos.
Jogam, participada e competitivamente, na igualdade.
No tempo e no mesmo Olímpico ringue.

Ringue Para-Olímpico é ringue menor.
Menor e entrevadamente desigual.
Preconceituosamente discriminatório.
Lucrativamente inferior.
Contudo, existindo, mascara a desigualdade,
finge a igualdade, camufla a discriminação.
E o sorridente POVO em comoção ...!!!

Alternativas?
As únicas. As justas e de IGUAL.
O empate com a igualdade.

Mas, em razão mundanamente empresarial ... o que interessa isso? 
O que importa são os intentos ávidos lucros!
Aquilo que todos dizem ser MUITO feio falar-se,
mas esgadanham-se todos e todas por ele ...
... o DINHEIRO, o DINHEIRO, o DINHEIRO ...!!!

Ou será que o (conveniente) DEFEITO não pode estar a par
da construída perfeição e idealização dos Deuses do Olimpo?
Ah ... se calhar não existem Deuses menores!!! É isso!!! Não existem!!!
Se existissem ... seriam os Para-Deuses.
Onde algum enxergaria mal, outro atiraria a bola com a boca e outro mancaria à esquerda.

Vá lá! ... Já não é mau de todo ... nas Olimpíadas,
não estarem apenas os Deuses Homens Heteros Caucasianos...!!!

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Frederico Lourenço. Fonte da imagem: internet.

O GAY DISCRETO
(Frederico Lourenço, Portugal)

O gay discreto é tão discreto que nem a própria mulher, de quem teve quatro filhos, 
alguma vez lhe descobriu a sexualidade.
Frequenta as áreas de serviço, os centros comerciais e as dunas onde os gays casados
costumam engatar; de vez em quando, de óculos escuros e de chapéu 
enfiado pela cabeça abaixo, lá se atreve a entrar numa sauna, onde sabe que terá "saída"
garantida, pois nada é tão afrodisíaco para certo tipo de frequentador 
do que a vista de uma aliança de casamento.
O seu terror são as idas ao fim-de-semana com toda a família ao Colombo 
(ao NorteShopping, ao Fórum Algarve): será que vai encontrar um parceiro
ocasional que o reconhece? Que lhe vai falar? Que o vai chantagear?
Já teve de mudar de número de telemóvel duas vezes 
por causa de situações desagradáveis afins.
O gay discreto é tão discreto que até conseguiu não divulgar
a si próprio que é homossexual. 

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Paulo Augusto. Fonte da imagem: internet.

 AVANT-PREMIÈRE
(Paulo Augusto, RN / Brasil)

Não foi medo que senti 
quando você imenso 
– era a primeira vez – 
me rasgou a blusa 
inebriado e tonto. 
Eu era virgem 
como todo mundo um dia foi 
mas isto não vem ao caso.
Fardos pesados, 
no canto do muro, tu e eu. 
Vislumbrei à luz murcha da tarde 
tua fortaleza pontiaguda 
e me recordo: meu coração recuou. 
Mas juntei minhas forças todas 
e num relance lembrei-me 
que mamãe sempre dizia:

– Homem é para-mulher, 
e mulher é para-homem.

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Cazuza. Fonte da imagem: internet.

BURGUESIA
(Cazuza, RJ / Brasil)

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

A burguesia não tem charme nem é discreta
Com suas perucas de cabelos de boneca
A burguesia quer ser sócia do Country
A burguesia quer ir a New York fazer compras

Pobre de mim que vim do seio da burguesia
Sou rico mas não sou mesquinho
Eu também cheiro mal
Eu também cheiro mal

A burguesia tá acabando com a Barra
Afunda barcos cheios de crianças
E dormem tranquilos
E dormem tranquilos

Os guardanapos estão sempre limpos
As empregadas, uniformizadas
São caboclos querendo ser ingleses
São caboclos querendo ser ingleses

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

A burguesia não repara na dor
Da vendedora de chicletes
A burguesia só olha pra si
A burguesia só olha pra si
A burguesia é a direita, é a guerra

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

As pessoas vão ver que estão sendo roubadas
Vai haver uma revolução
Ao contrário da de 64
O Brasil é medroso
Vamos pegar o dinheiro roubado da burguesia
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Pra rua, pra rua

Vamos acabar com a burguesia
Vamos dinamitar a burguesia
Vamos pôr a burguesia na cadeia
Numa fazenda de trabalhos forçados
Eu sou burguês, mas eu sou artista
Estou do lado do povo, do povo

A burguesia fede - fede, fede, fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

Porcos num chiqueiro
São mais dignos que um burguês
Mas também existe o bom burguês
Que vive do seu trabalho honestamente
Mas este quer construir um país
E não abandoná-lo com uma pasta de dólares
O bom burguês é como o operário
É o médico que cobra menos pra quem não tem
E se interessa por seu povo
Em seres humanos vivendo como bichos
Tentando te enforcar na janela do carro
No sinal, no sinal
No sinal, no sinal

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

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Janiel Martins

CARNALÍTICA
(Janiel Martins, RN / Brasil)

É de dois em dois anos
Nas ruas
Em todas
Até nos lugares esquecidos
Aparecem eternados
Aterrados
E até internados

Abusados

Prometem empregos e mundos
Sem terem pra dar
Promessas que ficam
Só para o antro
De patrocinadores

Na promessa
Todos vão sair
De casa
Com a fantasia
No corpo
E esfregada na alma

A lambada e o forró
São os ritmos preferidos
Acompanhados de um kit
Não um kit escolar
Mas o esperado 
kit pra alma
Uma cachaça
E um refrigerante

Nas ruas o povo
Segue
O idolatrado num ritmo
De crianças de colo
De pescoço
De adolescentes pré alcoolizados
De mulheres de olhares pardos
Homens mistícios

A terceira idade adiante
Segurando a pipoca
O pai alcoolizado
Puxa das mãos da criança
As últimas dessas
Para tomar a sua 
Enganosa pingapolítica
Passando pelos homens
Até o saco
Ser jogado na rua
Sem gari

No palco principal
Só olhares
Morto
Não paga promessas
Nem realiza
Até os próximos
Ressuscitados.

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Janiel Martins

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