domingo, 4 de maio de 2025

CAFÉ COM LETRAS - QUEM COLOCOU CRISTO NA CRUZ


QUEM COLOCOU CRISTO NA CRUZ

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Há muito que somos uma peça decorativa 

Não há mudança

Quem colocou Cristo na Cruz?

...

Na Terra somos o velho tempo

O pensamento vai como ejaculação

...

É desejo de continuar

E leve...

domingo, 27 de abril de 2025

CAFÉ COM LETRAS - DUAS FOMES (I)



DUAS FOMES (I)
(Janiel Martins, RN/Brasil)

O pensamento e o corpo não se entendem
Se estendem

É bonito demais, os seres vivos
Faz sentir o cheiro do princípio

Só dói a desorganização do querer
E o cansaço do fôlego

Tanto mal
Para administrar duas fomes

domingo, 20 de abril de 2025

CAFÉ COM LETRAS - Ooooo (III)

 

Ooooo (III)
(Janiel Martins, RN/Brasil)

Dá-me um beijo Tereza?
Sai daí tróce.
Tu fala tanto de paixão, que queria cometer uma loucura contigo.
Seria um suicido coletivo do teu esperma.
Deixa tu morrer na mão?
Tu gostou de coisar comigo, Tereza?
Gostar, gostar de verdade não, mas temos que a aproveitar as promoções que a vida nos oferece, se não ficamos mais azedo do que limão!

Tereza deixa eu conta um negócio a tu.
Conte logo.
Outro dia a candidata a prefeita veio aqui em casa pedir voto.
Ela deu um abraço em mim, eu estava meio mamado segurei ela, assim como um jumento faz quando coisa com uma jumenta, falei falei no ouvido dela que ia votar nela, porque ele era uma mulher muito boa, muito bonita, que tudo com ela seria mais fácil.
Depois de dez minutos soltei ela, vedado.
Eu acho que ela pensou, Zé: ou voto caro da porra foi esse....


domingo, 13 de abril de 2025

CAFÉ COM LETRAS - Ooooo (II)


Ooooo (II)
(Janiel Martins, RN/Brasil)

Isto é Francisco, Elionor?
Sou sim.
Mas como tu criou carne! era tão francininho, além de carnudo é cheiroso, mais um para o meu ombro. E o pior de tudo é que este está tatuado, bem no meu juízo, pesa mais do que um galão da água.

Querido diário há dez anos atrás estava pensado em amar. Hoje descobri que o amor é a continuação do respeito e o respeito serve para tudo. A paixão é a nossa natureza insistindo em viver. Como negar a paixão? Suicidando o nosso pensamento? 
Deixe ele se lascar, pois seremos lascados e o último suspiro nos espera.
Irei chorar ou sorrir?
Pensamos que evoluímos e deixamos de lado a vida.
Vivemos para nos apiriquitar.
Você já imaginou como um animal nos vê?

domingo, 6 de abril de 2025

CAFÉ COM LETRAS - Ooooo (I)


Ooooo (I)
(Janiel Martins, RN/Brasil)

O beijinho mais doce do mundo é o do meu docinho de leite.
O que é isso Tereza!
É a paixão.
Tu acredita em paixão, Tereza?
A paixão é o nosso ir, é o nosso sangue se movimentando, assentando todas as substâncias do nosso corpo, a da visão, a do olfato, a do pensamento (que pensa sem nós sequer nos permitirmos pensar, mas lá está, o pensamento, na nossa frente). 
Eu sou o espermatozoide do meu pai assim voltando.
O pensamento também é o passado.
Zé, o meu pensamento carrega tanta da gente, que às vezes chega a doer o meu ombro.
Pensava que era a cabeça, Tereza.
A cabeça não aguenta e joga para o ombro Zé, se não estoura.
Outro dia Zé, eu estava na feira no beco do gado, entrei em transe, me espertei com Bernadete batendo nas minha costas. 
Eu perguntei: o que foi comadre? Comadre, eu pensava que tu estava tendo uma trombose, começaste a mastigar e a torcer o rosto, parecia que estava engolindo algo.
Nada comadre, acabei de engolir a paixão, olha só que coisa mais doce do mundo.
É Beto. Engolir ele sem nem pedir permissão. 
Que pensamento mais sem vergonha é este meu? 
Que se foda o pensamento.
Mais um para o meu ombro.


domingo, 30 de março de 2025

CAFÉ COM LETRAS - DOR DE CABEÇA


DOR DE CABEÇA

(Janiel Martins, RN/Brasil)


Sinto uma força a puxar-me

É a força da inocência

Dói, dentro da cabeça

É a eletricidade que tem o corpo

É bonito a complexidade do homem

domingo, 23 de março de 2025

SUSTENTO DA ALMA - SUSTENTAILIDADE DO PRAZER



Paulo Passos

Psicólogo Clínico

Braga/Portugal

 

Na criança o QUERER não é uma vontade.

É a procura da ausência do medo ou um inibidor de angústia.

É a insistência na tentativa da sustentabilidade do prazer.

 

(repensem... as pressinhas -manhosas- na retirada das chupetas...)

 

Edição original em: https://sai-qolo-gi.blogspot.com/2021/02/sustentabilidade-do-prazer.html


domingo, 9 de março de 2025

CAFÉ COM LETRAS - TROCAR O PÉ POR UM PÉ DE BOI (III)

 


Publicado, originalmente, em Psicologia.pt a: 2019-04-21 

http://www.psicologia.pt/artigosher cronica.php?trocar-o-pe-por-um-pe-de­boi&codigo=CR0031

Paulo Passos 

Psicólogo clínico, Braga/Portugal


"A mesa já estava atulhada de canecas vazias e de pratos com cascas de marisco que Aristides Galante tinha comido.

Eleutéria chamou o empregado, pediu uma garrafa de vinho branco fresca, camarões e um gelado para a neta.

Aristides Galante pediu mais uma caneca de cerveja.



Não tinham nada para dizer.

Aristides Galante era um poço desmedido de subalternidade para com a mulher.

Nunca foi considerado em nada, exceptuando-se a consideração elevadíssima com que era contemplado, pela garantia do dinheiro que injectava na família e sustentava os cartões dourados de Eleutéria.

Dentro de casa, Aristides Galante, não era tido nem achado.

Vendo-os na rua, ele era um penedo que seguia, sempre dois ou três passos atrás, a gaiteira e determinada mulher.

Homem rude, estatura média, abdómen bem saliente, tinha conseguido fortuna à custa do seu trabalho, digno de se dizer! Mas também às custas de algumas estratégias menos transparentes e de malabarismos que escondiam meandros que Aristides Galante tão bem conhecia.

Trabalhava na construção civil desde os seus onze anos de idade, altura em que saiu da escola com a terceira classe.

Burgesso era a sua natural evidência e lucro era o seu maior objectivo - pilares da sua existência.

Fora de casa e, sobretudo no trabalho, não tinha pejo à exploração de outros e dos próprios funcionários da empresa. Nestes, no que dizia respeito ao pagamento que lhes eram devidos, arranjava sempre forma de cortar no número de horas trabalhadas.

Já dava para mais uma mariscada bem regada, que tanto apreciava.

Nunca passava muito tempo sem que a maior travessa, na marisqueira que mais apreciasse, não estivesse transbordando à sua frente, juntamente com fartas canecas de cerveja, onde as comezainas entravam bem pelo tempo adentro.

Já recostado, arrotava Aristides Galante, enquanto tirava bocados de marisco dos dentes, com uma unha de lagosta.

O suor que lhe escorria pelo rosto era afastado com as costas da mão, ainda com a pinça de um lavagante presa pelos dedos.

No rebordo da mais recente caneca de cerveja iam-se já acumulando lascas de marisco. Glórinha adormecera na cadeira sem ter acabado de lamber o segundo gelado.

Sem assunto, Aristides Galante e Eleutéria terminavam a manja, para sustento do peso dos feitios, feitos corpos.

Aristides Galante tentava levantar-se, mas a manobra foi dificultada pelo excessivo carregamento de peso sobre as, já meio falidas, articulações das pernas e pelos desequilíbrios adjacentes.

Eleutéria, com as mesmas privações de habilidades, proclamava que ainda havia de chegar o dia em que mandaria trocar o pé, de Aristides Galante, por um pujante pé de boi."


domingo, 2 de março de 2025

CAFÉ COM LETRAS - TROCAR O PÉ POR UM PÉ DE BOI (II)

 

Publicado, originalmente, em Psicologia.pt a: 2019-04-21 

http://www.psicologia.pt/artigosher cronica.php?trocar-o-pe-por-um-pe-de­boi&codigo=CR0031

Paulo Passos 

Psicólogo clínico, Braga/Portugal

"A pequena Glórinha estava forrada com um creme branco, colocado em pasta, para a proteger das radiações solares. Na cara só se viam os olhos.

Usava, tal como a avó, uma touca de borracha na cabeça para não molhar o cabelo. A touca de Glórinha era toda cor-de-laranja, mas com relevos que desenhavam formas de peixes. Condizia com o fato de banho onde a pequena estava enfiada, que também era cor-de-laranja, com uns favos salientes em branco, que a faziam parecer insuflada, em sobreposição à sua frágil estrutura.

Não saía da zona de sombra do guarda-sol de praia, por imposição da avó. Podia sair dali quando a avó ia à água e a levava para nela se apoiar.

Quando regressavam ao guarda-sol, invariavelmente era feita uma visita à imponente caixa térmica.

Eleutéria nunca a voltava a fechar sem estar já a mastigar alguma coisa.

Glória Micaela, alternativa única de nome e estipulado pela junção do nome (Glória) da tia-madrinha materna, e da filha desta (Micaela), prima quatro anos mais velha, era uma criança diminuta, em questões de apetite.


Nunca um vendedor de bolos, bebidas ou gelados, que circulavam pela praia, por ali passava sem que Eleutéria o mandasse parar.

Escolhia sempre alguma coisa.

Aos refrigerantes, não dava tempo de o vendedor fazer o troco do dinheiro, na bolsa que trazia na cintura, para onde tinha que olhar.

Quando olhava para ela já a garrafa estava vazia e ela com o braço esticado a pedir outro, enquanto enterrava o fundo da garrafa vazia na areia.

Avistou um vendedor de gelados.

O rapaz ouve o chamamento de Eleutéria e freou-se, qualificando o seu produto.

Não era preciso tanto trabalho pois era certo que Eleutéria ia comprar um gelado para Glórinha e outro para si.

Escolheram e, enquanto Eleutéria devorava o dela, a neta lambia, pasmada e lentamente, o seu.

Um calor sem tréguas e, pouco tempo depois, já Glórinha era um vale de gelado derretido.

No pouco chocolate que ainda se prendia ao pau, pousou e colou-se uma descomunal mosca vareja esverdeada.

A pequena, sem se aperceber, continuava a lamber de um lado, e a mosca satisfazia-se do outro.

Eleutéria vê aquele preparo, sai disparada para junto da neta, dá uma sacudidela para afastar a mosca, mas vai tudo. Vai mosca, vai gelado e vai Glórinha, que pega num berreiro, aumentando a javardice em que toda ela já estava.

Estava melada até à alma.

Era gelado derretido, era ranho, era creme solar, era areia, eram lágrimas, era baba, era a avó a reclamar, enquanto agarrava em toda aquela tralha para se irem embora.

Tinha-se acabado a tarde de praia.

Em direcção à estrada, ia e resmungava Eleutéria, atulhada de sacos, guarda-sol, caixa térmica, e um grande saco com tudo o que era brinquedo de praia da neta.

Eleutéria ainda não tinha tirado a touca da cabeça e era seguida por Glórinha, que ainda não tinha parado de chorar.

Atravessaram a estrada e Eleutéria estatelou toda a tralha no chão, despejando-se numa cadeira da mesa onde o marido estava sentado de esplanada."