sexta-feira, 23 de setembro de 2016

CAFÉ COM LETRAS - RECANTOS AMIÚDE

»»»»»»»»»»     «««««««««« 


Fonte da imagem: Janiel Martins

»»»»»»»»»»     ««««««««««

“Uma gralha vestida de pavão não é reconhecida nem pelas gralhas nem pelos pavões.” 
(Esopo)
»»»»»»»»»»     ««««««««««

Cecília Meireles. Fonte da imagem: internet


TIMIDEZ
(Cecília Meireles, RJ / Brasil)

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve…
- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes…
- palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando…
e um dia me acabarei.

»»»»»»»»»»     ««««««««««
“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam.” 
(Henry Ford)
»»»»»»»»»»     ««««««««««


Vinícius de Moraes. Fonte da imagem: internet.


SONETO DE FIDELIDADE
(Vinícius de Moraes, RJ / Brasil)

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

»»»»»»»»»»     ««««««««««
“Todo mundo é capaz de dominar uma dor, excepto quem a sente.”  
(William Shakespeare)
 »»»»»»»»»»     ««««««««««


Fonte da imagem: Janiel Martins


»»»»»»»»»»     ««««««««««

“Tenho em mim todos os sonhos do mundo.” 
(Fernando Pessoa)
»»»»»»»»»»     ««««««««««

Antônio Baltazar Gonçalves. Fonte da imagam: facebook.

OCEANOGRAFIA
(Antônio Baltazar Gonçalves, SP / Brasil)

Isto é OCEANOGRAFIA, 
poema escrito 
em fina camada de areia 
sobre memórias, recorte, 
invenções são objetos 
espalhados na unidade invisível
onde o último silêncio 
pode ser ouvido. 

Isto são flores, insetos, 
água de rio em ponta de lápis 
escorre folha de papel. 

Isto é onde espinho é pétala 
sempre viva, 
é encontro de mais 
um par de asas. 

Para celebrar a vida, 
ISTO : viver no sonho ou 
dormir para acordar. 

Reinventar a vida 
é tornar possível e acreditar 
é administrar influências, 
saber que nada é novo 
é permitir fartar-se de ausência 
e construir o depois 
é saber da vastidão 
e intuir o caminho: 
tudo é mar é solidão, 
desde o ventre até o último céu.

De mãos dadas e sempre sozinho
invento o isto de uma canoa de papel 
adivinho dos barcos o caminho
para navegar preciso oceanografia
e "escrevo à beira d'água" 
à beira d'água, à beira d'água 
no caminho líquido insisto, 
inscrevo o meu caminho nisto. 

»»»»»»»»»»     ««««««««««
“A felicidade repartida com o próximo dura para sempre.” 
(Taniguchi)
»»»»»»»»»»     ««««««««««

Fonte da imagem: Janiel Martins

»»»»»»»»»»     ««««««««««
 “Algo só é impossível até que alguém duvide e resolva provar ao contrário.” 
(Albert Einstein)
»»»»»»»»»»     ««««««««««

Janiel Martins

ESPINHO DOCE
(Janiel Martins, RN / Brasil)

Não podes usufruir 
Da minha ausência.
A presença depende de ti
A ausência apenas de mim.

Em mim és tu, suado
Em ti sou eu, suado
Semeados nas humidades
Quentes, unas e jorrantes.

Sozinho não é amor
Tu és
Eu sou em ti.

Sozinho não é amor
Eu sou
Tu presentes em mim.

»»»»»»»»»»     ««««««««««
“Não venci todas as vezes que lutei, mas perdi todas as vezes que deixei de lutar.” 
(Cecília Meireles)
»»»»»»»»»»     ««««««««««

Fonte da imagem: Janiel Martins
»»»»»»»»»»     ««««««««««


Janiel Martins










quarta-feira, 21 de setembro de 2016

CAFÉ COM LETRAS - COISAS ESCRITAS

########   ########   ########

Luiz Pacheco. Fonte da imagem: internet.
Em: O CROCODILO QUE VOA
(Entrevista a Luiz Pacheco, Portugal)

Entrevistador:
O Truman Capote disse: "Sou um alcoólico, sou um drogado, sou um homossexual, 
sou um génio."  Aplica-se a si?

Luiz Pacheco:
Acho que o génio está muito fora do sítio. 
Isto não é modéstia, que seria vaidade neste caso, não é?
Mas é preciso ver que a minha obra é curta, este livro está assim
porque está cheio de textos que não são meus.
Acho que é melhor escrever pouco do que escrever por avença.

(Excerto da entrevista)

########   ########   ########


Paulo Passos

PARA-DEUSES
(Paulo Passos, Portugal)

Mais um tísico escarro para o rol 
dos maus tratos à igualdade.
Porquê e para quê, PARA-OLIMPÍADAS?
Para demonstrar aos consagrados perfeitinhos que o são?
Para aumentar o tesão nas gloriosas vitórias?
Para que cada medalha seja um invejável duradouro orgasmo?

Ou, tão camufladamente só, para evidenciar
a menoridade e a moralidade, balizadas socialmente,
de quem tem que assumir a tatuagem de algum tipo
de handicap Físico e/ou Sensorial (e não sei, se Mental)?
Enaltecendo, em alívio, quem não os tem!

Alternativas?
As únicas. As justas e de IGUAL.
O empate com a igualdade.

Numa mesma modalidade desportiva olímpica
competem mulheres e homens?
O pequeno do tiro, faz salto em altura?
A moça das cambalhotas, nada mariposa?
O rapaz das corridas, lança martelo?
A criatura das argolas, esgrima?
Os que andam aos rebolões (diz-se "luta")
uns com os outros, são maratonistas?

Claro que NÃO ...!!!
Nos Jogos Olímpicos, a moça das cambalhotas apenas compete 
com outras moças das cambalhotas.
E o pequeno dos discos (os discóbolos, entenda-se!) só compete, e muito bem,
com outros pequenos dos discos. Não vai competir com as pequenas.

Assim ... e sem querer atrapalhar ... porque não
compete o moço que desvia o olho, ou a moça cadeirante, 
com outros de igual, na mesma modalidade e nas mesmas Olimpíadas?

Tem que ser nas Para-Olimpíadas ... NÃO É?
Segregação travestida de quê?
Entra, no Olimpódromo, o bloco das purezas.
 E depois, no PARA-OLIMPÓDROMO, entra o bloco das impurezas.
Futebolistas com danças de salão.

Alternativas?
As únicas. As justas e de IGUAL.
O empate com a igualdade.

Fasquias em concordância com os contextos.
Tempos conjugados com os desempenhos.
Géneros e feitios de corpo consonantes.
Modalidades adaptadas.
Por igual em campo. 

Homens adversariando Homens.
Mulheres adversariando Mulheres.
Gente adversariando Gente.
Deuses adversariando Deuses.
No Olimpódromo.
Não em Terreiro Para-Olimpódromo ou Para-Deusódromo.

Nas máximas competências e desempenhos.
No Olimpo que é de todos os de honra.
Como igualdade incutida nos postulados olímpicos.
Jogam, participada e competitivamente, na igualdade.
No tempo e no mesmo Olímpico ringue.

Ringue Para-Olímpico é ringue menor.
Menor e entrevadamente desigual.
Preconceituosamente discriminatório.
Lucrativamente inferior.
Contudo, existindo, mascara a desigualdade,
finge a igualdade, camufla a discriminação.
E o sorridente POVO em comoção ...!!!

Alternativas?
As únicas. As justas e de IGUAL.
O empate com a igualdade.

Mas, em razão mundanamente empresarial ... o que interessa isso? 
O que importa são os intentos ávidos lucros!
Aquilo que todos dizem ser MUITO feio falar-se,
mas esgadanham-se todos e todas por ele ...
... o DINHEIRO, o DINHEIRO, o DINHEIRO ...!!!

Ou será que o (conveniente) DEFEITO não pode estar a par
da construída perfeição e idealização dos Deuses do Olimpo?
Ah ... se calhar não existem Deuses menores!!! É isso!!! Não existem!!!
Se existissem ... seriam os Para-Deuses.
Onde algum enxergaria mal, outro atiraria a bola com a boca e outro mancaria à esquerda.

Vá lá! ... Já não é mau de todo ... nas Olimpíadas,
não estarem apenas os Deuses Homens Heteros Caucasianos...!!!

########   ########   ########

Frederico Lourenço. Fonte da imagem: internet.

O GAY DISCRETO
(Frederico Lourenço, Portugal)

O gay discreto é tão discreto que nem a própria mulher, de quem teve quatro filhos, 
alguma vez lhe descobriu a sexualidade.
Frequenta as áreas de serviço, os centros comerciais e as dunas onde os gays casados
costumam engatar; de vez em quando, de óculos escuros e de chapéu 
enfiado pela cabeça abaixo, lá se atreve a entrar numa sauna, onde sabe que terá "saída"
garantida, pois nada é tão afrodisíaco para certo tipo de frequentador 
do que a vista de uma aliança de casamento.
O seu terror são as idas ao fim-de-semana com toda a família ao Colombo 
(ao NorteShopping, ao Fórum Algarve): será que vai encontrar um parceiro
ocasional que o reconhece? Que lhe vai falar? Que o vai chantagear?
Já teve de mudar de número de telemóvel duas vezes 
por causa de situações desagradáveis afins.
O gay discreto é tão discreto que até conseguiu não divulgar
a si próprio que é homossexual. 

########   ########   ########

Paulo Augusto. Fonte da imagem: internet.

 AVANT-PREMIÈRE
(Paulo Augusto, RN / Brasil)

Não foi medo que senti 
quando você imenso 
– era a primeira vez – 
me rasgou a blusa 
inebriado e tonto. 
Eu era virgem 
como todo mundo um dia foi 
mas isto não vem ao caso.
Fardos pesados, 
no canto do muro, tu e eu. 
Vislumbrei à luz murcha da tarde 
tua fortaleza pontiaguda 
e me recordo: meu coração recuou. 
Mas juntei minhas forças todas 
e num relance lembrei-me 
que mamãe sempre dizia:

– Homem é para-mulher, 
e mulher é para-homem.

########   ########   ########

Cazuza. Fonte da imagem: internet.

BURGUESIA
(Cazuza, RJ / Brasil)

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

A burguesia não tem charme nem é discreta
Com suas perucas de cabelos de boneca
A burguesia quer ser sócia do Country
A burguesia quer ir a New York fazer compras

Pobre de mim que vim do seio da burguesia
Sou rico mas não sou mesquinho
Eu também cheiro mal
Eu também cheiro mal

A burguesia tá acabando com a Barra
Afunda barcos cheios de crianças
E dormem tranquilos
E dormem tranquilos

Os guardanapos estão sempre limpos
As empregadas, uniformizadas
São caboclos querendo ser ingleses
São caboclos querendo ser ingleses

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

A burguesia não repara na dor
Da vendedora de chicletes
A burguesia só olha pra si
A burguesia só olha pra si
A burguesia é a direita, é a guerra

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

As pessoas vão ver que estão sendo roubadas
Vai haver uma revolução
Ao contrário da de 64
O Brasil é medroso
Vamos pegar o dinheiro roubado da burguesia
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Pra rua, pra rua

Vamos acabar com a burguesia
Vamos dinamitar a burguesia
Vamos pôr a burguesia na cadeia
Numa fazenda de trabalhos forçados
Eu sou burguês, mas eu sou artista
Estou do lado do povo, do povo

A burguesia fede - fede, fede, fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

Porcos num chiqueiro
São mais dignos que um burguês
Mas também existe o bom burguês
Que vive do seu trabalho honestamente
Mas este quer construir um país
E não abandoná-lo com uma pasta de dólares
O bom burguês é como o operário
É o médico que cobra menos pra quem não tem
E se interessa por seu povo
Em seres humanos vivendo como bichos
Tentando te enforcar na janela do carro
No sinal, no sinal
No sinal, no sinal

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

########   ########   ########

Janiel Martins

CARNALÍTICA
(Janiel Martins, RN / Brasil)

É de dois em dois anos
Nas ruas
Em todas
Até nos lugares esquecidos
Aparecem eternados
Aterrados
E até internados

Abusados

Prometem empregos e mundos
Sem terem pra dar
Promessas que ficam
Só para o antro
De patrocinadores

Na promessa
Todos vão sair
De casa
Com a fantasia
No corpo
E esfregada na alma

A lambada e o forró
São os ritmos preferidos
Acompanhados de um kit
Não um kit escolar
Mas o esperado 
kit pra alma
Uma cachaça
E um refrigerante

Nas ruas o povo
Segue
O idolatrado num ritmo
De crianças de colo
De pescoço
De adolescentes pré alcoolizados
De mulheres de olhares pardos
Homens mistícios

A terceira idade adiante
Segurando a pipoca
O pai alcoolizado
Puxa das mãos da criança
As últimas dessas
Para tomar a sua 
Enganosa pingapolítica
Passando pelos homens
Até o saco
Ser jogado na rua
Sem gari

No palco principal
Só olhares
Morto
Não paga promessas
Nem realiza
Até os próximos
Ressuscitados.

 ########   ########   ########


Janiel Martins