quarta-feira, 30 de agosto de 2017

CAFÉ COM LETRAS - NO MEIO DO TEMPO


Genuinidade, honra e notabilidade.
Essência.
Essência nordestina. 
Um conto do Sertão ...
... um conto de Janiel Martins ... 


NO MEIO DO TEMPO
(Janiel Martins, RN/Brasil. 2017)
            
- Mininos venham todos para dentro, que vamos lá na casa do seu tio Zacarias.
- Fazer o quê, mãe?
- Vamos lá que teu pai mandou chamar ele para ser padrinho de um dos mininos.
 - E vai ser padrinho dos dois, mãe?
 - Não, que não pode, meu filho.
 - E quem vai ser padrinho do outro?
 - Não sei, seu pai que vai chamar outro. Quem ele quiser. Cuida, vamos tomar banho e ajeitar a carroça para colocar os meninos, quero ver bem limpinha para não sujar as cobertas. Chega bocado de peste, embraçar o cabelo, passar perfume e tão tudo direitinho?
- Tamos sim, mainha.
- Se ensaca direito Clodoaldo, tu quer ficar em casa sozinho?
- Não mãe, eu também vou.
- Eu vou logo avisando, se derem trabalho é a ultima vez que saio com vocês de casa. E você, Maria, é para olhar comigo os mininos, entendeu? Lindolfo traga a carroça.
- Tá aqui, mãe.
- Deixa eu ajeitar e vão se comportando que não quero passar vergonha. Tá tudo fechado! Vamos com Deus e meu Padim Cíço. Fazia tanto tempo que não saía de casa. Que sensação boa, proteja eu e meus filhos, meu Padim Cíço. Que bonito! Tudo já crescendo e que venha mais meu Deus e com muita saúde. Ois troce, para dar trabalho. Se ajeite bocado de peste ruím.
- Ai mãe, a senhora só dá em mim!
- Claro. Vocês me deixam doida. Na próxima é você, Lindomar.
- E eu fiz o quê, mãe?
- Não sei, imagino. Que coisa bonita meu Deus os meus mininos tudo arrumadinho e de sapato, acho bonito demais esse bocado de meninos e com essas roupinhas com um bocado de cor.

Cosme e Cosmo iam quietinhos. Nem parecia que estavam dentro de um carro de mão. Na primeira enrolada encontrou-se com a sua prima, que morava no Sítio Angicos. Fazia algum tempo que não se viam. Olhou para todos os meninos e ficou perdida.

- E cadê os gêmeos, minha prima, que eu ouvi dizer que já tinha parido?
- Estão aqui, muié. Não sou de ferro para carregar no colo. Quando tenho que sair de casa, trago na carroça. É bom demais, não dá trabalho e é bem maneirinho.
- Mas comadre, como tu sois danada mesma!
- Vamos andando, que vou lá em Zacarias e tenho que chegar em casa antes de anoitecer, que esqueci de colocar a luz e fósforo na porta. Esses mininos me deixam doida. Venha passar um dia lá em casa, minha prima. Só mande avise antes que mando prender uma galinha para nós comer no almoço.
- Tá bem, vão com Deus.
- Páre aqui, bocado de peste. Ouviu o que falei em casa, mas vou repetir aqui de novo. Quero todo mundo quietinho, e quando eu falar é para obedecer, senão nunca mais saem de casa comigo e quando chegar lá é para tomar a bênção ao seu tio e a sua tia. Senão Deus castiga. E tudinho pertinho de mim.
- Ó de casa?
- Ó de fora?
- É Rosa, Zéfinha!
- Ó mulher, vão entrando. Eu tou tomando banho.

Houve um descontrolo, ânsia e falta de ar.

- Ó bocado de beste ruim, se ajeitem. Senão vamos embora daqui mesmo e quando chegarem em casa vão tudinho levar uma surra. Pega em Cosme, Maria, que eu pego em Cosmo. Lindomar, bota a caroça debaixo do pé de imbú.
- Entra muié. Tava tomando banho.
- A bençã.
- Um de cada vez, meus filhos.
- E como tão os gêmeos? Já escolheu o nome?
- Já. É Cosmo e Cosme.
- Já tão grandinhos. E é bom mesmo, colocar nome de santo.
- E cadê Zacarias?
- Tá por aí, no roçado. Daqui a pouco aparece por aqui.
- E os teus mininos, tão tudo bem Zéfinha?
- Tão, só tava com uma gripe danada, mais mandei mãe fazer um lambedor e ficaram tudo bom. Se tu quiser dar pró teus mininos, para evitar pegar essa gripe véia. Pode dar.
- Não Zéfinha, que eu também fiz um, para evitar pegar essas gripe véia e tou dando todo dia uma colhezinha. E fiz com cupim, que é bom demais. Minha avó que me ensinou.
- Mãe, posso ir brincar?

Zefinha respondeu

- Deixa eles ir, Rosa.
- Vão, mais com cuidado.

E Rosa continua …

- Zefinha, eu vim aqui chamar, para tu e Zacarias ser padrinho de um dos mininos, que Benedito mandou eu perguntar.
- Vou perguntar para Zacarias, mas quero sim. Ó Francivaldo vai chamar o teu pai.
- Pra quê mãe?
- Cuida peste. Vai logo.
- Oi tudo bem, Rosa?
- Tudo.

Zefinha adiantou …

- A Rosa veio aqui saber se agente quer ser padrinho de um dos mininos.
- Vamos sim, e de qual vai ser?
- Qualquer um. Vamos arrumar outro e nós ajeita o batizado.
- Tá bom.

Zacarias, orgulhoso, diz para a mulher:

- Muié, bota um café no fogo.
- Já tá pronto.
- Coloque para os mininos, Zefinha e traga uma copo pra eu. Cuida troce. E cadê Benedito?
- Foi trabalhar, só vem na próxima semana, se Deus quiser.
- Pois tá.
- Nós tamos indo embora, e quando tiver mais perto eu mando avisar. Chega pra tomar a bençã ao seu tio e a sua tia para a gente ir embora. Traga a carroça Lindomar. Até a próxima, se Deus quiser.
- Vão com Deus.
- Cuida que o sol já tá caindo. Apresse os passos mininos. Obrigado, meu Padim Ciço, que eles quiseram. Agora é com Benedito. Ai que falta que você me faz meu véio!
- O que foi mãe?
- Nada não. Espera aí, vão tudinho para beira da estrada. Meu Deus tá faltando um dos mininos …. Maria Salestina, Lindomar, Clodoaldo, Cleidebergue, Maria Vitória, Lindolfo, Gerusa. Meu Deus, e qual que tá faltando? Cosme e Cosmo tão dentro da carroça. Minino, tão tudinho aí?
- Tamos sim mãe.
- Tem nove, tá certo meu Deus. Não é que tou ficando doida mesmo?
- Tás doida?
- Toma aqui, peste ruim.
- Eu de novo, mãe?
- Meus Deus, já tá escurinho, e não sei onde deixei o fósforo e ainda tenho que fazer o fogo para esquentar a comida e fazer o café.

            SERTÃO, TAPUIA 06 de Novembro de 1998

Edição: Paulo Passos






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