domingo, 6 de dezembro de 2020

CAFÉ COM LETRAS - O ÚLTIMO ABRAÇO



O ÚLTIMO ABRAÇO
(Janiel Martins, RN/Brasil)

(Sertão da Tapuia, 1998)

Vai tu.
Vou não, mãe tá brabo com eu.
Eu vou.
Mãe, deixa nós ir brincar debaixo do pé de imbu? 
Nós não vamos brincar no sol, não é minha mãe?

Sei, seu cabra de peia.
Podem ir mas fiquem na sombra.
E não trangam mais esse bocado de ossos para dentro de casa, não.
É os nosso boim de brincar, minha mãe!
Sei, mas eu não quero isso aqui dentro não, que ta cheio de bicho.

Vou fazer um curral e deixar eles lá dentro minha mãe, que é para eles não fugir.
E desde quando que eles têm perna?
É mesmo minha mãe!
Só tem a cabeça bem grandona e o corpo dem magrinho e grandão.

(O chão branco do sertão, com as rochas distantes, assim como as únicas plantas que sobrevivem na seca, nos leva a uma distância, sem cores.)

Meu irmão, olha só como o céu é bem azuzinho.
É mesmo, mas é muito longe o céu. 
O sol mora sozinho no céu?
Não, o sol tem uma namorada. Meu pai falou.
E quem é?
É a lua.

(O silêncio faz parte do Sertão, mas de repente pareceu que o céu estava desabando sobre ele.)

Minha mãe, o que foi aquilo?
Aquilo é avião, meu filho.
E o que é isso?
São coisas dos homens que tem muito estudos e fizeram aquilo voar igual a passarinho, só que faz muito barulho e medo.
Eu pensava que eles tinha vindo para carregar nós, minha mãe!
Está com medo meu filho?
Estou com muito medo.
Fique com medo não meu filho, que a mãe está aqui para proteger vocês. 
Podem brincar dentro de casa e vão pegar os boi.
Vou não, minha mãe.
Eu também não; tou com medo.
Então eu vou, meus meninos. 
Será que correram com medo dos avião, minha mãe?
Eu acho que foi mesmo.
Mas eles não tem perna. 
São só osso de brincar de boim.

Mas na hora do susto, a pessoa não pensa não, só quer é se proteger.
Vamos lá ver minha mãe.
Vamos!
Deixa eu pegar na tua mão.
E eu também.

(O vento veio e o grilo cantou lá longe.)

Os boi fugiram mesmo.
Será que foi os avião que carregaram os nosso boim de brincar?
Acho que eles fugiram com medo, meu filho.

Minha mãe, como que é o avião?
É um passarinho de ferro com duas asas.
Como será que é feito?
São os homem que tem muita inteligência que fizeram o avião voar.

Faz muita zuada. 
Eu pensava que o sol estava caíndo em cima de nóis, minha mãe.
Eu vou fazer um avião que faça muita zuada, não.
É mesmo meu filho?
Vou sim minha mãe, que eu pensei que ia morrer.


                                                                                                                                                         Edição: Paulo Passos

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