Alusões sertanejas.
Outro conto do Sertão ...
... outro conto de Janiel Martins ...
EM HONRA DO TESÃO DO MIJO
(Janiel Martins, RN / Brasil)
- Minha véia, tem algo
de estranho com o nosso Florivaldo.
- Meu véio, o nosso
minino é um minino especial.
- Que nada, minha véia,
eu sei o que vejo. Não estou ficando doido. Amanhã vou lá no sítio Enxú falar
com o meu compadre, para trazer Marluce para vim morar com nós. E tu vais
orientar ela e faça com que ela goste de Florivaldo.
- Mas Lorival, tu já
não sabe da fama de Marluce?
- É por isso que quero
ela aqui com nós, para ver se o nosso minino desencarna logo de uma vez. E não
deixe ele ficar de amizade, se não as coisas podem complicar para o nosso lado.
Tu sabe como são as pessoas daqui de Catolé.
- Está bem meu Lorival
querido.
- Amanhã mesmo vou
passar lá, que vou pegar aquela garrota brava que está na Fazenda do Enxú, e já
passo lá, na volta. Se compadre aceitar já trago ela junto com a garrota. Não fale
nada para o nosso Florivaldo não, para ele não se assustar, tá?
Já na Fazenda do Enxú:
- Ó meu compadre
Lorival, como andam as coisas, há quanto tempo que não o vejo, vai desapeiando
homem e entra para cá. Ó Marluce, tás mouca filha da puta!
- Estou aqui papai.
- Traga um tamboreto
para compadre Lorival. E o meu compadre quer uma água?
- Não, meu compadre, eu aceito um golinho de
café, se tiver e um fósforo. Meu compadre, eu vim aqui para falar com tu para
levar Marluce lá para casa, para ajudar com as coisas de casa. A minha véia tá
acabada demais, tem andado muito esmorecida e pensei logo em Marluce, uma moça
direita.
Lorival
pensou: "para endireitar o meu nome porque essa não tem nada de direito."
- Claro que sim meu compadre.
Pode levar.
Gritou
- Marluce, minha
filhinha, venha cá.
- Oxe paínho, tá
falando tão doce comigo! O que foi meu pai?
- Seu Lorival vai levar
você para ir ajudar a Lindalva nos afazeres de casa. E se comporte como gente,
viu.
- E eu vou quando, meu
pai?
Ninguém
respondeu por alguns instantes e Lorival disse:
- Pode ser agora. Aproveita
e já vai comigo e já levo as suas coisas no cavalo.
- Vai arrumar as suas coisas e mande a sua mãe
trazer outro café.
- Marluce entregou o
saco a Lorival.
Olhando
para o céu refletiu:
- Vai ser estranho morar noutra casa. Mas vai
ser muito bom morar naquela fazenda. Tem um monte de coisas para fazer e um
monte de gente que trabalha lá.
- Vamos minha filha,
que o tempo passa rápido.
- Vai com Deus meu
compadre e tu Marluce se ajeite como gente.
Marluce
pensou:
- E desde quando fui
gente?
- Faça o que quiser meu
compadre, Marluce agora é tua.
Não
houve conversa durante as sete léguas, até chegar na sua nova casa. Marluce pensou:
o mundo abriu uma porta para mim. Já não existem amarras. Sou filha do mundo e
já não tenho mais dono.
- É aqui a sua nova
casa Marluce. Ó Lindalva. Lindalva, Lindalva… tás mouca condenada?
Florivaldo
responde:
- Não papai. A mamãe
está mexendo o doce de leite.
- Mande ela tirar do
fogo e que venha aqui.
- Está bem meu papai
querido!
- Cuida, troce. Pare de
frescura Florivaldo.
- Esse é o nome do teu
filho?
- É sim, mas não fui eu
que escolhi. Foi a mãe. Promessa de Santo.
- Oi minha filha.
- Oi dona Lindalva.
- Vamos entrando que
essa é a sua nova casa. Traga para cá sua trouxa, que tem um quarto aqui para
você. E Florivaldo venha aqui conhecer Marluce, que veio morar com nós.
- É mamãe? É?
- É meu filhinho. Ela
vai-me ajudar.
Florivaldo
fez a avaliação completa. Só achou bonito o cabelo. Mas não entendeu a fama de
tão namoradeira, que era Marluce. Admirou a sua altura, além dos cabelos.
- Que cabelo bonito,
mulher!
- Lindalva, você viu o
que o nosso filho falou de Marluce?
- Achou bonito o cabelo!
- Eu bem sabia que ele
queria aqueles cabelos, para ele! E falou mais o quê?
- Achou ela alta. Só
isso, Lorival.
- Olha, não deixe eles
ficar muito de amizade, não. Se não as coisas pioram.
- E eu faço o quê,
homem?
- Nada não. Pode deixar
que vou levar ele para a feira, amanhã, e vou ter uma conversa com ele.
Lorival
ensaia e debita a conversa:
- Meu filho a Marluce é
uma moça muito boa. Estou pensado em ajeitar aquela casinha na fazenda Nova, e
colocar vocês para construir a vossa vida.
- É, meu pai?
- É sim, meu filho.
Você já tá na hora de casar. Seus irmãos todos já estão com filhos. Só falta
você!
- Mas pai, eu não sei
cuidar da roça!
- Aprende meu filho. É
só querer!
- É papai?
- É sim. Porquê? Você não
quer casar?
- Quero sim, papai. Casar
e dar um bocado de netos para o senhor.
- Isso é que é um
homem, meu filho. Aproveitamos já, que é caminho, e vamos passar lá no Enxú,
para tu pedir a mão de Marluce em casamento, a meu compadre Zeca.
- Mas agora papai?
- Claro que sim. E
ainda vou falar com o padre hoje mesmo.
- Mas papai, não é
muita coisa para um dia só?
- É não, meu filho. Tá
vendo o sol? Ele não espera por ninguém não!
- Ai papai, como o
senhor é meu exemplo de homem.
- Se é, então vamos
resolver tudo.
- Fazer o quê, né?
- O que foi, Florivaldo?
- Nada não papai. Foi o
cavalo que assustou!
Diz
compadre Zeca:
- A que devo a visita
do meu compadre Lorival? E esse é o seu filho? Qual é mesmo o nome do moço?
- É Florivaldo, meu
compadre.
- Sim, sim…o mais novo?
- Não meu compadre.
Este é o Florivaldo, que ainda não casou.
- Mas vai. Não é meu
filho?
- É sim papai.
- E hoje, quem insistiu
em vir visitar o meu compadre, foi ele mesmo. O Florivaldo.
Florivaldo
pensa: Falar, falar o quê, papai. Só se pensou!
E
Lorival adianta-se:
- Fala logo de uma vez,
meu filho.
- Olha, seu Zeca, eu
vim aqui pedir Marluce em casamento.
- Mas claro que sim,
rapaz. Tenho a grande honra em ser seu genro.
Lorival
continuou a conversa.
- Hoje mesmo vamos passar na igreja e falar
com o padre para marcar a data do casamento, porque Florival não aguenta mais
esperar. Pois meu compadre, a conversa tá boa mais temos que ir. Assim que
marcarmos a data, mando avisar.
- Não vai esperar nem
para tomar um cafezinho?
- Agradecido, meu
compadre, mas tenho que apressar os passos.
- Meu filho, vai lá
para a bodega que vou passar logo na igreja.
- Mas eu vou sozinho
papai?
- Claro que sim. Tua
mãe não falou o que era para comprar?
Cogita
Florivaldo, entre as paredes de um susto…
- Ele quer é ver eu
casado. Marcar o meu casamento para logo! E eu, o que faço meu Padim Ciço?
- Cuida rapaz, antes
que Zacarias feche a bodega.
Voltaram
para casa, num silêncio só. Já passava do meio-dia quando chegaram. A comida
não estava na mesa. Lorival não falou nada. Pensou! Lindalva ajeitava a casa e
Florivaldo estava de cara caída. Lorival estava numa alegria só. Chamou os presentes
na Fazenda Catolé, para anunciar o casamento.
- Meus amigos, eu não
sou homem de muita conversa, mas tenho algo a anunciar. Marluce, venha aqui. Hoje
eu passei lá no Enxú e Florivaldo pediu você em casamento. Seu pai aceitou e
nós passamos na igreja e marcámos o casamento para este final de mês.
Marluce
deu uma risada.
- Eu? Eu casar com o seu filho? E quem disse
que eu quero?
- Seu pai autorizou.
- Com todo respeito que
tenho por esta família, mas eu não posso aceitar casar com Florivaldo. Eu já
tenho compromisso. E, além de tudo, Florivaldo nunca me procurou.
Lorival
ficou furioso.
- Então pegue nas suas
coisas e some daqui.
- Eu vou mesmo. Eu não tenho
dono. O mundo é a minha casa.
Antes
do anoitecer Marluce foi-se embora da Fazenda Catolé, com o vaqueiro Bento,
deixando Lorival num enraivecido mau estar, bem como de pasmo toda a Fazenda e
arredores, na maledicência.
- Eu hein…!!!
O
clima na Fazenda Catolé não ficou muito agradável. O povo desconfiava de uma
paixão de Florivaldo com o vaqueiro Bento. Coisa que seu Lorival não podia nem
sonhar. Florivaldo vagueava por entre as incertezas. Pelo menos isso ele
demostrava. Ajudava a mãe de uma forma que o seu pai não percebesse. Mas sempre
sentia o seu chegar.
Florivaldo
decidiu-se a casar. Coisa difícil mas iria melhorar o clima com seu pai. Pensou
que seria a forma mais fácil de decidir a sua vida e seus conflitos.
Aproximou-se da filha do comerciante Ferreira. Um homem muito amigo do seu pai.
Uma mulher totalmente diferente de Florivaldo. Gostava de andar a cavalo, pegar boi bravo no mato e ainda tomava umas caçhacinhas às escondidas dos seus
pais. Todos lhe chamavam, pelas costas, de Chicão. Sendo seu nome Francisca,
familiarmente Chiquinha. Tinha uma história muito parecida com a de Florivaldo.
Este decidiu falar para o seu pai que estava gostando de Chiquinha.
Resmungou
Lorival:
- Mas logo por Chicão,
meu filho?
- Sim meu pai. Tenho
andado noites em claro, pensado nela. Acho que temos muitas coisas em comum.
- Está bem. Esta semana
vou lá na Vela e falo com seu Ferreiro e tu vai comigo.
- Está bem, meu pai.
No
outro dia, por tentação do diabo, Chiquinha chegou em casa de Florivaldo, toda
trajada de roupa de couro, montando uma burra mula. E, pelos visto, brava.
- Opa seu Lorival, vim aqui atrás do senhor. Meu pai mandou perguntar se o senhor tem um garrote para vender, que
ele tá precisando pra matar esta semana.
- Desapeia minina.
- Não, seu Lorival,
senão esta burra não deixa eu subir novamente. Estou dando uns treino com ela.
Lorival
pensou: “Ó que muié macho é essa!”
- Tenho sim. Diga a ele
que venha aqui ver, porque quero falar com ele um assunto muito importante.
Chiquinha
saiu numa riscada só. Lorival pensou: “será que ouviu o recado?”
Antes
de anoitecer seu Ferreiro chegou na fazenda. Lorival chamou logo para entrar e
tomar um café.
- O que o senhor tem
para conversar comigo, meu amigo Lorival?
- O meu filho
Florivaldo está andando de olho na sua filha Chiquinha e quer casar com ela.
- Venha cá Florivaldo.
- Pois não seu
Ferreiro.
- Esse então é que é o
cabra macho que quer casar com a minha filha?
- Sou eu sim, seu
Ferreira.
- Filho de Lorival tem
todo o respeito do Sertão. É claro que aceito o casamento e vamos marcar a data
da festa. Ela será a sua esposa e você será o meu genro.
Seu
Ferreiro pensou logo na festa para o dia de São Francisco, que vem parentes de
todos os cantos do Sertão para visitar a nossa terra.
- Não se preocupe com
as carne, que vou mandar para o senhor dois porcos, uma novilha, dois perús e
umas galinhas.
- Está bem, meu compadre
Lorival. E o que o senhor acha de agente fazer um almoço, para eles se
conhecerem.
- Não precisa, meu compadre.
Eles já se conhecem demais!
Tudo
corre bem na Fazenda Catolé, menos os malfadados e abafados comentários. Faltando
apenas dois dias para o casamento, Florivaldo andava muito preocupado com a
costureira, por ter feito a sua calça muito curta.
De
repente chega Chiquinha em sua égua. Florivaldo corre para junto da mãe.
- O que foi meu filho?
- É Chiquinha que está
aí!
- Parece que tem medo
da sua noiva! Ela só veio pegar os bicho, para a vossa festa.
Chegando
de surpresa, respondeu Lorival, ciente que o casamento desta vez ia sair.
Chiquinha estava bem, com sempre, em cima daquela égua. Todos respeitavam. Não
tinha vaqueiro melhor do que ela, naquela região. Todos zombavam que era ela que ia
dominar o Florivaldo na cama. Esse era o principal motivo de festa na região.
O
casamento foi marcado para as onze horas da manhã. Às oito, Florivaldo já
estava pronto, esperando o jipe que veio da prefeitura, presente de casamento
do prefeito. Enquanto isso, a sua futura mulher, nem tinha experimentado o
vestido. Estava matando dois bodes, que tinha ganho de presente e tomando umas
cachaças. Estava feliz da vida. A consciência estava bem, também (?). Seu pai tomou
a frente e assumiu o comando.
- Cuide, minha filha,
está na hora de ir para igreja. Deixe que suas tias terminem de preparar as
carnes.
- Está bem, meu pai. E
o senhor já tá pronto?
- Claro que sim, minha
filha. Hoje é um dia muito especial. Sua mãe está pronta, também.
A
mãe e a tia Josefina jogaram Chiquinha no banheiro. Vestiram-lhe o vestido.
Grande admiração enquanto colocavam os enfeites. Chiquinha achava tudo muito
engraçado. Já estava bem mamadinha e pediu para seu primo trazer mais uma dose.
Sua mãe, em coro com a tia Josefina, impediram tal barbaridade.
- Pare, minha filha. Tu
quer chegar na igreja mamada? O jipe já chegou. Vamos minha filha. Chega
Ferreiro, a nossa filha já está pronta.
Enquanto
isso, Chiquinha tomava mais uma dose de cachaça, com a rabada de porco. Foi a última
a entrar no jipe. Entrou na igreja com o seu pai e, no altar, estava Florivaldo,
tão delicado quanto uma flor.
Pensou Chiquinha: “ó homem
besta”.
Florivaldo
sorria muito para si próprio. Os convidados estavam todos admirados com o fato.
A festa continuou por toda a tarde no sítio, com muitos convidados, muito
churrasco e forró pé de serra. Foi até tarde da noite. Carne e cachaça, não
faltou para ninguém. Chiquinha estava muito feliz. Cumprimentava todos os
convidados, enquanto Florivaldo estava com a sua mãe, sempre ao seu lado.
Passou meio despercebido. O centro da atenção foi para Chiquinha. Já tarde na
noite só restava o jipe com o motorista da prefeitura e uma mão cheia de
resistentes cachaceiros.
O
presente do prefeito não podia ir embora. O motorista já estava muito cansado.
Chamou Lorival e falou que estava na hora de ir embora. Foi então que,
Florivaldo e Chiquinha, caíram em si com o casamento. Florivaldo ficou inibido
ao lado dos seus parentes, enquanto Chiquinha se despedia de todos,
aproveitando para trazer mais uma garrafa de cachaça. Seguiram para a sua nova
morada, no Sítio Velas. Não deu trabalho para dormir.
Chiquinha
caiu no alpendre e, lá mesmo, adormeceu e dormiu, enquanto Florivaldo, lutando
contra os medos das trevas do escuro, adormeceu ao seu lado.
2017, Braga /
Portugal.
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Edição: Paulo Passos |