domingo, 23 de setembro de 2018

CAFÉ COM LETRAS - O POVO E A POVA


O POVO E A POVA
(Janiel Martins, RN/Brasil)

meu povo e minha pova.
e tu sois quem mêmo?
a pova.
e tu existe?
claro que sim.
o povo e a pova,
mulhé e macho.
o ovo e a ova.
o ovo é do povo
a ova é caviar
e o caviar é dos político.
dos político e dos porco.
sermão.
sermão de retórica.
sermão de saber.
que saber?
e tu, que sabe?
sabe o que convém pra tu.
sabe o que enche o teu bolso.
porco é tudo igual.
porco e porca.
nome que até
parece com o da gente.
povo e pova.
deixa de dizê lero-lero, mulhé.
dizemos
tudo pelo povo e pela pova.
deixa esse assunto, tróce.
deixa de dizer doidiça! 
deixa o povo
deixa a pova
fazer do seu jeito mêmo.
do jeito sabido.
do jeito do justo.
do jeito de igual.

Edição: Paulo Passos



domingo, 16 de setembro de 2018

CAFÉ COM LETRAS - O DEFUNTO FALANTE



O DEFUNTO FALANTE
(Janiel Martins, RN/Brasil)

o que esse tróce veio fazê aqui!
ele tava tão bem.
mas pia só o que ele tá falando.
tá falando di eu?
seu Geraldo ficou foi me devendo duzentos real!
e o pior de tudo é que ninguém sabia.
ele morreu de que horas mêmo?
meio dia e meio.
e foi de quê mêmo?
uma dô no meio do peito.
bem que eu escutei o galo cantá.
bem por essa hora.
quero ver o caningado falar do meu dinheiro.
ele era um cabra bom.
ele ficou devendo a alguém?
que eu saiba não.
dizem que a alma fica penando na terra se o cabra tiver dívida.
e ainda o defunto vem puxá o pé do cabra.
mas pia só como é atrevido...!
vamos enterrá de que horas?
e ainda qué jogá areia di eu.
na boquinha da noite.
deixa eu jogá as primeiras três pás de terra.
Geraldo, não é para você enterrá o defunto sozinho não!
Se não ele vai puxá o meu pé.

Edição: Paulo Passos

domingo, 9 de setembro de 2018

CODORNIZES NA TAJINE


Ingredientes:

- 4 codornizes
- Cenouras
- Pimento
- Couve flôr
- Bróculos
- Coentros q.b.
- Malagueta
-  Colorau
- Alho
- Azeite
- Sal

Modo de preparação:

Abra, longitudinalmente as codornizes.
Tempere-as com o colorau, sal, alho picado e malagueta.
Na tajine coloque os pedaços de couve-flôr e de bróculos.
Vá montando a pirâmide, acrescentando as cenouras,
o pimento, as codornizes e os coentros.
Verta um fio de azeite sobre a montagem.


Tampe a tajine e leve ao lume brando.
Deixe cozinhar até que as codornizes fiquem prontas.
Apure-se nos sabores dos legumes aromatizados pela carne.


Acompanhe com uns figos da Índia, uma conversa
e companhia a seu agrado.

Edição: Janiel Martins


domingo, 2 de setembro de 2018

CAFÉ COM LETRAS - PENSÃO DE VENTRE


PENSÃO DE VENTRE
(Janiel Martins, RN/Brasil)

A vida é uma ejaculação alheia.
O que a cabeça produz,
o cu alivia.

Seguramos os colhões alheios.
Gente sem o que comer,
fome governando espaços,
governos tais putas baratas.

O meu pai não é viado,
mas fica encantado
com o paletó de um doutor.

A minha mãe serve café
para os sovacos rapados 
que vão desviar
divisas e direitos.

Umas serão filhas da rua.
Outros serão analfabetos.
Uma máquina de dinheiro para engravatados.

A riqueza é o povo.
Fazem cota para tudo
menos para todos 
e mais para um.

Diz a lei que avião e foguete
são coisas de todos.
Sovaco rapado é igual a cu.


Edição: Paulo Passos






domingo, 26 de agosto de 2018

PERNIL COM COGUMELOS E LEGUMADA


Ingredientes:

- 1 pernil de porco
- 2 tomates
- 1 couve roxa
- 1 pimento
- 1 beringela
- 2 batatas
- Cogumelos
- 2 cebolas
- 3 dentes de alho
- Sal q.b
. Malagueta q.b
- Azeite q.b

Modo de preparação:

Coza o pernil na panela de pressão, em água, sal e malagueta.
Depois de bem cozinhado (deve ficar bem macio), deixe arrefecer.
Retire os ossos e a pele, aproveitando os nacos de carne.


Num tacho refogue a cebola picada em azeite.
Junte os dentes de alho.
Cortados aos pedaços, adicione todos os legumes e os cogumelos.
Deixe cozinhar.
Retire o caldo e aproveite-o para uma outra refeição.
Tempere com sal e envolva delicadamente.
Deixe repousar.
Sirva em conjunto com a carne.


Acompanhe com um vinho tinto da sua escolha...

Edição: Janiel Martins


domingo, 19 de agosto de 2018

CREME DE COURGETTE COM CEBOLA


Ingredientes:

- 1 courgette 
- 3 cebolas 
- 1 tomate 
- 1 folha de louro
- Sal q.b
- Azeite q.b


Modo de preparação:

Corte as cebolas em rodelas e refogue-as, ligeiramente, em azeite.
Verta para uma panela.
Retire toda a casca da courgette e corte-a em pedaços.
Adicione ao refogado.
Junte o tomate, previamente cortado aos cubos.
Tempere com sal e a folha de louro.
Deixe cozinhar.


Depois de arrefecer, triture bem e acompanhe 
com uma fatia de pão e um copo de vinho tinto.

Edição: Janiel Martins

domingo, 12 de agosto de 2018

CAFÉ COM LETRAS - DOR DE DENTE

Janiel Martins
DOR DE DENTE
(Janiel Martins, RN/Brasil)

Peguei um desgosto medonho de dormir

Toda madrugada o peste do caquizinho do dente começa a doer

Coloquei toda a moléstia de remédio e nada serve

Quando o dia vier amanhecendo é que eu consigo tirar um cochilinho

Durante o dia até parece um dente normal

Mas quando cai a noite começa esse tróce a dar sinal

Fui bater naquele cafundor do posto de saúde

Não tinha dentista

Mas tinha um bocado de gente querendo ser doutor

Mandaram colocar tudo que é quanto de remédio

Mas o único remédio que servia era arrancar de uma só vez

Pense numa coisa pequena e medonha

É o peste do caco de dente

E quando esse peste de dentista vier

Vou mandar arrancar é tudo.



Edição: Paulo Passos



domingo, 5 de agosto de 2018

PURÉ DE COURGETTE COM COUVE ROXA


Ingredientes:

- Courgettes
- Alho 
- Couve roxa 
- Malagueta (opcional)
- Avelãs
- Azeite
- Sal 

Modo de preparação:

Prepare as courgettes (retirando a casca e as sementes) e corte-as aos pedaços.
Descasque 3 dentes de alho e junte a malagueta.
Leve a cozer numa panela com água e sal.
Triture até obter um puré.



Lave a couve e corte-a finamente.
Adicione-a ao puré, com um fio de azeite.
Deixe cozinhar.
Desligue o fogo e confira temperos.


Se confeccionado na véspera de ser servido, 

adquire uma mais intensa tonalidade de roxo.

Acompanha com avelãs, amigos, um copo de vinho a seu jeito
e uma boa conversa.

Edição: Janiel Martins



domingo, 29 de julho de 2018

CAFÉ COM LETRAS - ÁLAMO OLIVEIRA (UM CHEIRINHO)


ÁLAMO OLIVEIRA, escritor (romance, conto, guião, ensaio, poesia) 
nascido na Ilha Terceira/Portugal, em 2 de Maio de 1945.

Álamo Oliveira - uma nesguinha para aguçar e...suspira-se por mais...!

 Álamo Oliveira. Fotografia: colecção de Guilherme Simões.

"(...) a pequena cidade da ilha que o Poeta doma para fazer evoluir 
a trama do romance - não é um espaço localizado na avença do imaginário. 
Ela pertence a um país que desde sempre se embriagou com a mania dos espaços,
 que fez do mar as estradas dos seus sonhos grandiloquentes e delinquentes, onde cada acostagem e pé em terra eram ferrete de posse e de domínio. Jericó de ilha e de cidade de ilhas, nela recaem as leis do seu país distante, com seus pontas de lança sediados muito obedientes e rabugentos numa autonomia mas vestida e subalimentada. Sabendo o 
Patachão tanto como isso, mandou à outra banda os ditames da literatura com a sua universalidade cingida à comichão sadia duma luxuriante camada de chatos: "Não dá outro trabalho que não seja o de coçar...E este, sim, é um gesto universal." (...)"
Excerto do livro:
"Pátio d´alfândega - meia noite" - Álamo Oliveira

Guilherme Simões e Álamo Oliveira. Fotografia: colecção de Guilherme Simões.


QUE O SAL À MORTE
(Álamo Oliveira, Portugal)

foi tão breve o encontro que

não pudemos falar de poesia.

a vertigem dos olhos mais leves

do que deus ou pluma
nenhum outro peso sobre os ombros
da árvore       ainda a prisão dos dedos
num resto de água e de silêncio.

não dirão do amor mais do que o sal

à morte
mas da ilha dir-se-á o porto
breve marinheiro tatuado de solidão.

deixa crescer as malvas.



Álamo Oliveira. Fotografia: colecção de Guilherme Simões.

"(...) Ainda eram eles que faziam por aguentar mais tempo a sua visita e que
mais vezes se faziam acompanhar pelos filhos. De qualquer forma, Joe Sylvia 
já compreendera que cada vez tinham menos tempo para lhe dar. Tony chegou 
mesmo a deixar a caixa de chocolates sobre a cómoda uma vez que encontrou 
o pai a dormitar na cadeira de rodas. À saída disse a Rosemary que informasse 
o pai dos seus cuidados, das suas saudades. "Bardamerda!" dissera Joe Sylvia no 
seu melhor português. Atirou com a caixa de chocolates para debaixo da cama, 
lamentando a vez que dissera ser daqueles que mais gostava. Foi uma confissão 
imperdoável. Prenda que lhe dessem, por mais que o embrulho disfarçasse, 
já sabia que era uma caixa...de chocolates. Acomodou-se. Aceitou a fatalidade 
como qualquer prisioneiro da fome. Nunca mais teve coragem para confessar 
o quanto detestava aqueles chocolates, os quais responsabilizava por todos 
os males que corriam. Até representavam o seu estar ali à espera da morte, 
com a implacável lentidão de um acto litúrgico, que o deixaria a criar bolor 
e coberto de formigas.(...)"
Excerto do livro: 
"Já não gosto de chocolates" - Álamo Oliveira


Edição:

Guilherme Simões

 Paulo Passos


quarta-feira, 25 de julho de 2018

CAFÉ COM LETRAS - CALL ME BY YOUR NAME


CALL ME BY YOUR NAME


CHAMA-ME PELO TEU NOME


ANDRÉ ACIMAN

LUCA GUADAGNINO


"(...) Vocês tinham uma bela amizade. Talvez mais do que uma amizade. E invejo-te por isso. No meu lugar, a maioria dos pais gostaria que tudo isso desaparecesse, ou que os filhos esquecessem o que se passou. Mas não sou esse tipo de pai. Se houver dor, cuida dela, e se houver chama, não a desprezes, não sejas brutal com ela. A abstinência do que gostamos pode ser algo terrível quando nos deixa acordados, durante a noite, e ver como os outros se esquecem de nós mais depressa do que gostaríamos de ser esquecidos não é melhor. Arrancamos tanto de nós próprios só para nos curarmos das coisas, mais depressa do que deveríamos, que entramos em falência por volta dos trinta anos e temos menos para oferecer de cada vez que começamos com alguém novo. Mas tentarmos não sentir nada, porque temos medo de sentir alguma coisa? Que desperdício!
Não conseguia assimilar tudo aquilo. Estava estupefacto.
- Falei do que não devia? - perguntou ele.
Respondi que não com a cabeça.
- Então, deixa-me dizer mais uma coisa. Vai ajudar a esclarecer tudo. É verdade que estive perto, mas nunca tive o que tu tiveste. Havia sempre algo a travar-me, ou que se metia no caminho. Como irás viver a tua vida só a ti diz respeito. Mas lembra-te de que os nossos corações e corpos só nos são dados uma vez. A maioria das pessoas não consegue evitar viver como se tivesse duas vidas, uma é a maquete, a outra, a versão finalizada, e depois há uma série de versões pelo meio. Mas a verdade é que temos apenas uma vida, e antes de que te dês conta, o teu coração está gasto, e, quanto ao teu corpo, chega uma altura em que ninguém olha para ele, e cada vez menos gente se quer aproximar de ti. No presente há tristeza. Não invejo a dor. Mas invejo a tua dor.
Respirou fundo.
- Pode ser que nunca mais falemos disto. Mas espero que não me condenes por o ter feito. Teria sido um péssimo pai se, um dia, tu quisesses falar comigo e a porta estivesse fechada. (...)"


Excerto do livro: CHAMA-ME PELO TEU NOME, André Aciman


Livro: André Aciman

Filme: Luca Guadagnino


Edição: Janiel Martins
Imagens: internet